31 de Outubro: Dia da Reforma
Ven. Arc. Rev. Carlos Alberto (*)
Sendo hoje o dia da
Reforma, cabe perguntar: Quando e onde começa o anglicanismo? Qual a relação
entre a Igreja da Inglaterra e o anglicanismo? Quando desejamos falar sobre a
Reforma do Séc. XVI não se pode deixar de levantar estas questões. Podemos
destacar três fases diferentes no cristianismo que se instalou nas chamadas
Ilhas Britânicas, conforme muito bem já definiu o nosso amado Bispo em seu
livro: 1) Celta; 2) Romana; 3) Reformada. Assim, respondendo às perguntas,
diríamos que o anglicanismo nasce da terceira fase da Igreja da Inglaterra,
espalhando-se pelo mundo, sob a influência da Reforma.
Sem entender as fases
diferentes da Igreja da Inglaterra, torna-se difícil saber o que é anglicanismo
ou “Comunhão Anglicana”. Vejamos as suas diferentes fases: Celta, Romana e
Reformada.
A
Celta.
Por causa da perseguição ao cristianismo na Gália (hoje, França), cristãos
daquela região refugiaram-se, a partir de 77 d.C., na Britânia (Ilhas
Britânicas). Estes, mais os funcionários e comerciantes do Império Romano que
abraçaram o cristianismo, levaram a fé àquela região. Os nativos que acolheram a
fé na Britânia cristã foram os celtas, habitantes do norte daquela região (hoje,
Irlanda, Escócia, País de Gales). Eles formaram, por sete séculos, uma Igreja
Cristã independente de Roma. Com a invasão bárbara o cristianismo foi varrido da
região, refugiando-se no norte. Em 597 d.C., Agostinho e mais 40 monges são
enviados por Roma à região centro-sul da Ilha, com a finalidade de
evangelizá-la. Estabelecidos em Cantuária, passaram a propagar a fé cristã. Por
isso, mais tarde, sagrando-se Bispo de Cantuária, ficou aquele missionário
conhecido como Agostinho de Cantuária. Converteram-se mais de dez mil pessoas e
Agostinho procurou unir a Igreja Celta à Diocese de Cantuária, respeitando os
costumes estabelecidos na região.
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Antigo santuário celta, Irlanda |
A
Romana.
Após de grande e longa resistência, a Igreja Celta aceita submeter-se à
autoridade do Bispo de Roma, em 667 d.C., ano Concílio de Whibty, formando-se a
Igreja sob a autoridade de dois bispos: o de Cantuária e o de York, mantendo a
sua identidade celta. Por questões geográficas e políticas, apesar da submissão
à Roma, pouca influência exercia o Papa sobre a Igreja Inglesa. Surge, no Séc.
XVI, com John Wycclif, grande crítica ao romanismo, divulgação do Evangelho na
língua inglesa, a criação de uma ordem de irmãos leigos (os lolardos) que,
perseguida, divulga princípios evangélicos, mantendo-se ativa até a
Reforma.
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Sto.Agostinho de Cantuária batizando o rei Ethelbert |
A
Reformada. Professores de
Oxford (sob influência de Wycclif) e de Cambridge (W. Tyndale, R. Barnes, T.
Cranmer e M. Coverdale) levantaram críticas semelhantes a dos lolardos, sob
influência do pensamento de Lutero, questionando a Igreja, seu clero e o Papado.
Um nacionalismo crescente e interesses políticos das dinastias reais (Tudor e
Stuart) ajudaram a fomentar a difícil, mas crescente, Reforma da Igreja. Assim,
em diferentes momentos, seguiu a Reforma com: a) o rompimento com a Igreja
Romana e o Bispo de Roma (1534); b) o breve reinado de Eduardo VI com o
aprofundamento do protestantismo e os Artigos de Fé da Igreja (de teologia
reformada); c) a reforma de Elizabeth, que rompeu com Roma (após Maria Tudor, “A
Sanguinária”, ter feito um retorno ao catolicismo) e estabeleceu princípios
fundamentais: O Livro de Oração Comum (LOC) e os Trinta e Nove Artigos de Fé; d)
após idas e vindas entre reforma e retorno ao catolicismo, em 1688, na
“Revolução Gloriosa”, liderada por Guilherme de Orange (reformado holandês),
implanta-se o parlamentarismo na Inglaterra, pacificando-se muitas questões e
com retorno aos princípios protestantes elizabetanos (LOC e 39
Artigos).
Arcebispo Thomas Cranmer |
Os dois principais
pensadores da Reforma Inglesa foram o Arcebispo de Cantuária e mártir Thomas
Cranmer (queimado vivo por ordem de Maria Tudor), compilador do LOC, bem como o
teólogo Richard Hooker. Assim surge a Igreja da Inglaterra: independente de
Roma, de doutrina reformada, mantendo algumas tradições católicas em seu governo
e liturgia, como uma “via-média” entre Roma e Genebra, entre catolicismo e
puritanismo. Nota-se que a Igreja da Inglaterra viveu em continuidade com a
Igreja dos primeiros séculos, passando por momentos diferenciados. Disso resulta
que as diferentes igrejas anglicanas espalhadas pelo mundo não constituem nem
cultivam uma identidade denominacional separada, mas uma verdadeira “comunhão”.
A Reforma da Igreja está, assim, em linha de continuidade com uma Igreja que
remonta ao Séc. I da era cristã, como um pêndulo que se moveu entre catolicismo
e protestantismo, definindo-se como “via-média” entre estes dois
pólos.
Conforme a Inglaterra
expande-se comercialmente, dando-se destaque o Séc. XVII e o Séc. XIX, a Igreja
passa a enviar ministros a acompanhar suas expedições e, mais tarde, suas
colônias. Na medida que estas igrejas locais vão tornando-se autônoma, temos o
surgimento do que se denominou Anglicanismo.
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* Rev. Carlos Alberto Chaves Fernandes, ofa, é Presbítero da Diocese do Recife; Pároco da Paróquia Anglicana da Santíssima Trindade, em Copacabana, Rio de Janeiro; Venerável Arcediago Sul-Sudeste; Frei da Ordem Franciscana Anglicana (OFA).
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