domingo, 22 de abril de 2012

"Martinho Lutero pregando aos fiéis"


Esta é uma pintura intitulada "Martinho Lutero pregando aos fiéis" de 1561, ou seja, produzido apenas quinze anos após a chamada de Lutero para se ajuntar à Igreja Triunfante. Essa pintura é uma boa resposta aos que acusam alguns luteranos do século 21, que cultivam uma praxe litúrgica histórica, de estarem introduzindo práticas "romanistas" no culto, as quais Lutero e os Pais da Reforma haviam, supostamente, abandonado.

1. Constata-se que um crucifixo (não uma cruz “nua”) paira sobre o altar da Igreja Luterana.

2. Um bebê está sendo batizado de acordo com a agenda.

3. O sermão é por Lutero pregado a partir do púlpito, usando-se a Bíblia.

4. Paramentos são usados ​​no serviço divino, incluindo alva, casula, batina e sobrepeliz para a Santa Eucaristia (Comunhão).

5. É utilizado um cálice comum (não copos individuais).

6. Os fiéis ajoelham-se para receber o corpo e o sangue do Senhor.

7. A hóstia é recebida diretamente na boca, não na mão dos fiéis.


terça-feira, 3 de abril de 2012

PERSIGNAÇÃO: SINAL E MARCA, USO E ABUSO




Assinalar e marcar, desde muito cedo, são práticas encontradas dentro da religião bíblica. Quer nas tradições mais antigas registradas no Antigo Testamento, quer no Novo Testamento, quer na história prática da Igreja do período subapostólico, antigo, medieval e até o presente.

Como o tema é vasto e muito diversificado, este breve artigo se deterá ao sentido de “assinalar” e “marcar” na tradição bíblica e o uso da persignação dentro da tradição da Igreja. Procurar-se-á seu sentido de uso e o abuso feito deste sinal de fé, bem como o preconceito gerado pelo abuso do mesmo. Assim, o objetivo é buscar um sentido correto para esta prática bíblica e antiga.


1. O que é um sinal?

Antes de se investigar o uso dos sinais nas Escrituras e na tradição antiga da Igreja, torna-se necessário definir o que se quer dizer quando se utiliza o termo “sinal”. Assim, entende-se por “sinal” qualquer objeto, gesto, acontecimento ou coisa que se usa como menção de outro. O uso de exemplos pode melhor explicar esta definição.

Sinal da Cruz usado nas bênçãos do rito bizantino.
IC XC são as primeiras e últimas letras de IHCOYC 
XPICTOC (Iesous Christos - Jesus Cristo)
O melhor exemplo de sinal é a própria “palavra”. Uma palavra é um sinal linguístico que, não sendo a coisa em si, a representa. Se alguém diz (ou escreve) “casa”; tal junção de sinais gráficos (letras), formando fonemas (sílabas) que, ajuntados formam uma palavra (casa) não é um prédio feito para a habitação. Aqui “casa” é somente uma palavra mas, como tal, remete a quem a ouve (ou lê) a algo que não está presente e que, por seu uso, nos remete à coisa significada.

No estudo da comunicação, desde pequeno, se aprende que existem um significante (casa) e o significado (o prédio utilizado para a habitação). Assim, a palavra remete seu ouvinte (ou leitor) a algo além dela e maior que ela. O sinal linguístico, ou seja, a palavra é um símbolo, visto que remete a quem a ouve a algo outro, maior que ela: remete ao significado.

Serve de exemplo, também, “abraçar” ou “beijar”. Tais são os sinais gestuais. Estes dois gestos significam algo muito maior: afeto e/ou amor. Nos tempos dos Imperadores Romanos o sinal do polegar (para cima ou para baixo) representando: deixar viver ou fazer morrer. Outro sinal gestual é o “aperto de mãos”, ele pode significa fraternidade ou um compromisso firmado entre parte. Do mesmo modo, entre militares, a chamada “continência” etc.

Deixando de lado outros exemplos de sinais, pode-se dizer que os sinais guardam características próprias:

a) Servem para a comunicação;
b) Indica para algo maior e superior a ele;
c) Faz parte daquilo que significa;
d) Tornam presente algo ausente ou oculto;
e) Serve para mostrar e, ao mesmo tempo, esconder;
f) Necessita que se compreenda seu código de significação;
g) Percebe-se pelos sentidos.

Deve-se, ainda, destacar que certos sinais são marcas. Hodiernamente se vêm as chamadas “logomarcas” e “logotipos” que dão identidade visual a um produto, a um grupo de indústrias, a uma agremiação desportiva. Por serem importantes que a legislação criou a “Marca Registrada”. São sinais característicos e distintivos de um “nome”. A marca distingue e diferencia, na medida em que reúne em si as características daquilo que significa. Revela, assim, certo direito de propriedade, à individualidade e de pessoalidade. Ao se marcar algo se assinala de modo distinto, para que se caracterize de forma peculiar, aquilo que foi assinalado.

Pode-se fazer um Marco Público. Este servirá de memorial. Seu objetivo é fazer lembrar, trazer à memória, não permitir que se esqueça algo que está revestido de significado. Na Cidade do Recife, temos o “Marco Zero”. Ele indica o ponto inaugural da referida cidade. No Rio de Janeiro, temos o “Memorial Vargas” para lembrar a memória do político brasileiro. Nos túmulos são colocados Marcos denominados de “Epitáfios” ou “Lápide” para registrar a memória de uma pessoa falecida.

Os criadores de animais, quase sempre, marcavam em ferro seus animais, marcando-os para designar propriedade. Antigamente esta marca era feita em ferro quente. Hoje é uma plaqueta etiquetada com número (ou barra eletrônica), quase sempre presa na orelha do animal.

Já se permite, pelas exemplificações, entender melhor o sentido que se está dando ao Sinal e à Marca (enquanto sinal identificador) e seu sentido factual e simbólico. O mesmo costume pode ser encontrado nas Escrituras Sagradas.


2. A Bíblia e o uso de sinais e marcas

O termo “sinal”, originário para o português do latim “signum”, encontra-se na tradição do Antigo Testamento, quase sempre como “ôt” ou “sôd”. Estes termos, na Septuaginta, podem ser traduzidos por “mystérion” (sôd) ou “seméion” (ôt). Quando traduzido por “mysterion” tem o sentido de “segredo”. Em geral refere-se à Palavra de Deus, à revelação da Sua vontade, pois Deus esconde a Sua vontade dos ímpios e a mostra aos Seus escolhidos.

Quando traduzido por “seméion” pode ser entendido como “sinal” ou “marca” e, por vezes, como “milagre” (no sentido de sinal divino) e, ainda “penhor”. Vê-se que, quando aplicado a Caim (Gn 4.15), o sinal foi um penhor, uma garantia da proteção divina. Quando ligado a um ato extraordinário, é um milagre que confirma a fidedignidade da Palavra do Senhor (Is 7.14, “o Senhor vos dará sinal: Eis que a virgem conceberá...”). Foi assim no chamado de Moisés: Deus lhe conferiu sinais que deveriam atestar e comprovar seu chamado, sua missão e a Sua Palavra (Ex 4.8). Tais sinais são marcas, atestados, comprovação de fidedignidade. O mesmo entendimento os antigos tiveram com o Arco-Íris: sinal da aliança de Deus (Gn 9.13). Viram, na junção das nuvens de chuva com o sol, uma marca, um sinal divino de que o sol haveria de brilhar, ainda que houvesse uma forte chuva: a chuva passa, o sol vence e este é um sinal de Deus na criação.

Entretanto, a maior e mais conhecida marca utilizada pelo judaísmo foi a circuncisão. Marcava-se na carne o pertencimento ao povo eleito de Deus5. Um sinal, feito por meio de um corte na carne, marcando um alguém como pertencendo ao Povo de Deus e, assim, marcado para Deus como Sua propriedade (Ex 4.24-36; Js 5.2-9). Esta marca na carne servia de sinal: pertencer a Deus e estar sob Sua proteção, como membros do Povo de Deus. Esta marca está relacionada ao Pai da Nação que, para São Paulo, era o Pai do Crente: Abraão (Gn 17.9-14). Estar circuncidado é estar na Aliança feita entre Abraão e o seu Deus: “a Minha Aliança estará marcada na vossa carne e será perpétua” (v.13). Neste sentido, é feita sobre o corpo, como marca e sinal de algo maior que a própria marca, ou seja, a Aliança. O incircunciso não pertence ao povo, mesmo que tenha nascido de hebreus (v.14).

O costume de assinalar um indivíduo, um animal ou um objeto, tinha por objetivo destacar o domínio do superior, do dono ou do patrão. Assim, Samuel faz um sinal ao ungir Saul rei sobre Israel (1Sm 10.1), revelando que Deus o havia escolhido para o exercício da função (ungir com óleo é um sinal da escolha divina). O sinal indicava uma dupla função: a submissão e dependência do ungido a Deus como seu Senhor e, de outro, o direito de receber a proteção divina para exercer a função. Em uma das visões de Ezequiel sobre a destruição de Jerusalém, mas Deus haveria de não destruir os que fossem marcados na testa com a letra “tau" (um “T”; cf. Ez 9.4). O mesmo já havia acontecido no Egito quando, as casas marcadas com o sangue foram puladas pelo Anjo da Morte (Ex 12.26).

No Novo Testamento temos, p.ex., o “sinal de Jonas”, referido pelo Senhor para falar que somente a Sua ressurreição seria verdadeiro sinal confirmação e garantia Sua palavras. O Livro do Apocalipse fala que os eleitos têm as frontes “seladas” (7.3) sendo que cada um recebe o sinal de sua tribo (7.5-8). Isso contrasta com a “marca [sinal] da besta” (cf. 13.16-17). Os cristãos, provavelmente já fazendo uso do sinal indicado pelo profeta Ezequiel (um “T” na fronte; cf. Ez.9.4) entendiam que esta letra se referia, já no Antigo Testamento, a Cristo. Comprova tal ideia o uso do Sinal da Serpente levantada no deserto nos tempos de Moisés, utilizada por São João como símbolo de Cristo sendo levantado na Cruz (cf., Jo 3.14).

Letra "T" (Tau) em caracteres hebraicos moderno e arcaico.
Percebe-se neste último a forma semelhante a de uma cruz.


Os cristãos primitivos utilizavam-se de letras (hebraicas e gregas) para assinalarem-se, bem como para marcar seus túmulos. Já no próprio Novo Testamento, especialmente no Livro do Apocalipse, encontramos o Senhor, várias vezes, a dizer: “Eu sou o Alfa e o Ômega” (1.8; 21.6; 23.13). Estudiosos entendem que este uso não se refere a um helenismo, mas a uma tradição advinda do rabinismo, visto que o Profeta Isaías já se utilizava desta ideia para se referir a Deus (cf. 41.4; 44.6; 28.12).

Os primeiros cristãos chegaram mesmo a considerar o batismo como uma marca (podendo entender-se como sinal e penhor) da salvação8. Cristãos antigos, ainda na Palestina dos tempos do Novo Testamento, faziam tatuagens ou uma cauterização (com ferro quente) no ato do batismo. Entendiam ser este o “batismo de fogo”, numa interpretação literal das palavras de São João Batista (Mt 3.11)9. Existem, p.ex., várias interpretações relativas a esta afirmativa de São Paulo: “Quanto aos mais, ninguém me moleste; porque eu trago no corpo as marcas de Cristo” (Gl 6.17)10. Alguns entendem que são as marcas dos açoites, fustigação com vara, naufrágio e outras coisas que o Apóstolo sofreu em missão; outros apontam para a marca que o dono de escravo colocava sobre o mesmo, marcando-o como sua propriedade e que era utilizada pelos judeus-cristãos palestinenses (como o tao, “T”).

Em resumo, o ato de assinalar e/ou marcar não é algo estranho às Escrituras, quer na Antiga, quer na Nova Aliança. Seja por seu uso comum, seja por seu uso religioso e espiritual, marcar com um sinal representou nas Escrituras: pertença ao Povo de Deus e, assim, submissão ao Senhor e direito à Sua proteção. Além disso, serviu para registrar a fidedignidade da promessa e da Palavra Deus, sendo penhor da promessa ou da graça significada. A marca mais significativa e importante está na eleição e salvação, certeza de vida plena nas mãos de Deus.


3. O Sinal da Cruz e seu uso

Desde bem cedo os cristãos antigos associaram a cruz, que é um símbolo universal, Àquele que foi nela morto. No período inicial a representação de Cristo e da Cruz são representações do Glorificado. Ela não é o lugar onde Cristo foi suplicado, mas glorificado14. Isso se deve, no início, ao ambiente judeu-cristão onde, por respeito aos 10 Mandamentos, não se faziam pinturas humanas. Assim, representar a Cristo por meio da cruz, com sua vitória, era mais aceitável em tais ambientes. Somente na Idade Média é que a ideia de ressurreição e exaltação foi substituída pela ideia da morte e humilhação.

Porém, é mesmo a partir da definição da Doutrina da Trindade, que a cruz passa a ser muito mais valorizada como símbolo pelos cristãos. Talvez por influência de Constantino e o uso que fez das letras “chi” (que tem a forma de X – ou de uma cruz) e “rho” (que tem a forma de P), como seu brasão na luta por unir o Império Romano que, reza a lenda, foi lhe dada em sonho quando uma voz lhe disse: “In hoc signus vinces”. Mas o fato é que o gesto do Sinal da Cruz (a persignação) se faz acompanhada da afirmação “Pai, Filho e Espírito Santo”.

A Doutrina da Trindade não foi um consenso. Os que não aceitavam a deidade de Jesus e/ou do Espírito Santo, reagiram à doutrina. Dentro da Igreja estabeleceu-se uma luta para ser aceita a doutrina. Muitos gestos, músicas e outras coisas fáceis de aprender e guardar, foram criadas no Século V para auxiliar na pedagogia trinitariana. Por exemplo, temos o cântico do “Glória Patri”16, colocado ao final da leitura do Salmo como forma de lhe dar um colorido cristão e de se reafirmar a doutrina da Santíssima Trindade.

O uso da cruz como símbolo e, de modo igual, o “sinal da cruz” (a persignação) passa a ser incorporada a toda Igreja, primeiramente à Igreja Oriental e, posteriormente à Igreja Ocidental. Entretanto, já era de conhecimento e uso dos judeus-cristãos palestinenses como marca e sinal. Logo passou a ter uso na liturgia, permanecendo até os dias de hoje. Seguindo a tradição palestinense o sinal era feito somente sobre a fronte: ocasionalmente por gesto e, permanentemente por incisão ou cauterização.

Pelos motivos óbvios o sinal permanente foi trocado pelo gesto ocasional. Além disso, na forma usual de hoje, foi aumentado, fazendo-se inicialmente na fronte, depois no peito, por fim nos ombros esquerdo e direito, respectivamente.

Modo atual de se fazer o sinal
da cruz entre os cristãos bizantinos
A persignação é um modo de assinalar-se ou de assinalar outras pessoas e objetos. Ele guarda como sinal, os mesmos significados utilizados nas Escrituras Sagradas para outros sinais: penhor, confirmação, proteção divina, distinguir-se como povo de Deus e, principalmente, sinal de santificação, eleição e salvação. A cruz é o Sinal de Cristo. Assinalar-se com o mesmo é marcar-se para Ele, é confessá-lo como Senhor, é declarar dependência exclusiva d’Ele. Este é, pois, um gesto simbólico. Como qualquer símbolo, em si ele não é nada, não é aquilo que representa, mas, sim, aponta para o seu significado. Por isso, com óleo, no Santo Batismo e na Confirmação, se assinala a fronte do batizando, dizendo: “Eu te assinalo com a Cruz, o sinal de Cristo”.

Este gesto significa que aquele, aquela ou aquilo que o recebe passa a pertencer a Cristo. Significa também estar assinalado, marcado, com o Seu sinal. Tal gesto simbólico é, assim, um gesto litúrgico. Não somente no Batismo e na Confirmação, mas em outras partes da liturgia ele é repetido. O Culto inicia com este sinal, pois é feito “Em Nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo”. Utiliza-se também o gesto, neste caso o Bispo ou o Presbítero sobre a congregação, quando da absolvição dos pecados, visto que o sacerdote representa a Cristo e absolve em Seu nome. Na sagração de objetos, muito especialmente os elementos eucarísticos, faz-se o sinal da cruz sobre os mesmos, como representação de sua santificação; por este gesto são retirados do uso comum para o uso santo. Por fim, ao encerrar a liturgia, o ministro envia o povo de retorno ao mundo, para ser testemunha de Cristo, abençoando-o com o sinal de Cristo.


4. O Sinal da Cruz e seu abuso

Como se viu, um sinal simbólico nada é em si. Somente serve enquanto meio e instrumento de ajuda para a sua relação com aquilo que ele significa. Se alguém faz um cumprimento de mãos para selar um acordo de cavalheiros, mas lá dentro sabe que não o cumprirá, tal gesto é nulo. Se alguém abraça ou beija, mas está traindo aquele a quem dedica este gesto de afeto, tal gesto é nulo e mesmo odioso, como o fez Judas com o Senhor.

O mesmo acontece com o Sinal da Cruz. Ele é um gesto simbólico e litúrgico. Ele quer significar submissão a Cristo e mostra que um alguém pertence a Nosso Senhor Jesus Cristo. O mesmo se pode de seu uso sobre os objetos litúrgicos: o santuário, os vasos sagrados, os elementos sacramentais. Quando recebem o sinal da cruz, significa que estão separados do uso comum para um uso santo. O gesto não torna as coisas santas, mas indica o seu uso sagrado.

Ora, todo símbolo revela algo oculto. Ele significa algo que não se pode ver. A circuncisão era um sinal externo, mas os profetas alertam que a verdadeira circuncisão é a do coração. O mero sinal externo nada significa se não existir o correspondente interior. Esta foi a tentação de Israel com a marca externa da circuncisão, amplamente denunciada e combatida pelos profetas (Jr 4.9; 9.24). De nada adiante estar com a marca externa se não existir a interna (cf., Dt 10.12-22).

A exortação de Jesus Cristo e de São João Batista aos escribas e fariseus está na mesma linha dos profetas: “Deus pode fazer suscitar destas pedras filhos a Abraão” (Mt 3.9; Lc 3.8; Jo 8.39). O fato de estar circuncidado em si, nada significa se não se tem o correspondente disso no coração. O uso deste sinal externo torna-se supersticioso, mágico e um mero amuleto, perdendo o seu sentido real.

Este tem sido o abuso do Sinal da Cruz. Ele vem perdendo o seu significado e se tem transformado em um amuleto. Faz-se do mesmo um uso supersticioso, como se o gesto, em si, correspondesse a algum tipo de proteção contra males, moléstias, físicas ou espirituais. Este abuso mágico desvaloriza totalmente o significado simbólico do gesto, fazendo com que muitos, para não se associarem a estes elementos supersticiosos, o tenham abandonado e mesmo rechaçado.

Deve-se ter em mente que seu uso, antigo e tão significativo para a Igreja, conforme significação bíblica própria, somente torna-se superstição e amuleto por falta de compreensão e de ensino correto. Trocando em miúdos: a culpa deste abuso se encontra na docência da comunidade. Sem ensino o povo cai. Sem correção o povo erra. Abandonar seu uso é mais fácil do que ensinar e educar para a fé.


Conclusão

Na tradição anglicana se repete “Lex Orandi, Lex Credendi”. Isso significa que aprendemos a fé na liturgia, por meio do modo como estamos, juntos, orando. Sendo o sinal da cruz um gesto de uso litúrgico, entende-se que é pela liturgia que se deve resgatar o seu uso correto e seu significado espiritual.

As diferentes edições do LOC pelo mundo podem ou não indicar, pelo uso do símbolo … ali se deve fazer o Sinal da Cruz. Como pode ou não indicar o uso das vestes litúrgicas, sem o embargo de seu uso correto, conforme a tradição e o ethos anglicano. A questão é que os símbolos e uso guardam seu significado simbólico, visto que a liturgia, como um todo, é uma linguagem simbólica e que apela a todos os sentidos naturais do ser humano: audição, visão, tato, paladar e olfato.

A Igreja Primitiva, herdeira da tradição judaica, deu muito valor à Palavra, ou seja, ao falar e ao ouvir. Já no Shemá está ali determinado como principal este sentido humano: Ouve, ó Isarel... (se há quem ouve uma fala, pressupõem-se existir um alguém que fala). Além disso, a severa proibição de fazer-se qualquer imagem de animais, plantas, seres inanimados e, principalmente, de pessoas, inibiu em Israel e em sua tradição litúrgica, p.ex., o sentido da visão. Surpreende, assim, que os profetas e apocalípticos tenham apelado de modo fortíssimo para as “visões”.

A Reforma da Igreja fez uma severa crítica do uso dos sentidos na liturgia, mas certas tendências acabaram por quase retornar aos tempos anteriores à Igreja primitiva, transformando-se em sinagogas cristãs, no que se refere ao uso dos sentidos na liturgia. Como diria Dom +Robinson Cavalcanti: “quatro paredes caiadas e um sermão”. Tal postura, racionalista, a apelar somente para a o verbalismo, desprezou o visual e as expressões corporais que fazem parte da composição humana. O ser humano torna-se mutilado em certas expressões litúrgicas protestantes.

Mas a liturgia não é somente discurso. O santuário não é um parlamento ou uma sala de aulas. A liturgia existe para a celebração. Paulo exorta aos romanos assim: ...apresenteis os vossos corpos por sacrifício vivo, santo e agradável a Deus, que é o vosso culto racional. E não vos conformeis com este século, mas transformai-vos pela renovação da vossa mente, para que experimenteis qual seja a boa, agradável e perfeita vontade de Deus (Rm 12.1-2).

Nota-se que Paulo convida os crentes a apresentar o corpo. O corpo é a forma pela qual o ser humano se expressa neste mundo. Mas o corpo tem muitos modos de expressar-se, assim, o modo correto de expressão no culto18 a Deus é o racional. Cristo, na cruz, ofereceu Seu corpo a Deus, em um culto perfeito. O culto verdadeiro de quem professa fé em Jesus Cristo passa pelo nosso corpo e pela nossa razão, tendo no corpo o modo de nos expressarmos racionalmente.

Quando Deus viu o mundo, sem forma e vazio, conferiu ao mundo sentido e razão. Como fez isso? Colocando cada coisa na sua devida ordem. Ordenar as coisas é, na verdade, torná-las razoáveis, é dar-lhes sentido, razão, ou seja, forma. O termo usado por Paulo no texto, traduzido por racional, em grego é logikhn (= logike, ou seja, lógico). A origem da palavra é o termo logos (=lógos, que quer dizer palavra). A forma de cultuar a Deus tem por modo a seguinte forma: uma palavra ordenada, coerente, com sentido, lógica, que se expressa por meio razoável através do corpo que Deus nos concedeu. Por isso Paulo, falando aos Coríntios sobre o culto, exorta-os a fazerem tudo em ordem, visto que Deus não é de confusão, e sim de paz (1Co. 12-14).

Ordenar é tornar as coisas com sentido razoável. Vê-se, pois, que o aspecto da forma está ligado diretamente ao modo de se ordenarem as coisas no culto. De fato não existe sentido sem ordem e, sem ordem, não há nada razoável. O culto é expressão do ser da Igreja, de modo razoável, que nada mais é do que uma ordem que evita confusão e torna tudo claro. Por isso Paulo dirá para os crentes não se com-formarem. A preocupação aqui não é outra senão com a forma do culto para que o adorador experimente qual seja a boa, agradável e perfeita vontade de Deus. Para tal esta ordem deve passar por uma lógica, de palavras com sentido do corpo humano, e que não repita a forma sem sentido e destituída de razão deste século. Por isso, exorta: transformai-vos.

Os reformados deram grande ênfase à lógica e à razão, mas deixaram de ser razoáveis ao desprezar que é por meio do corpo que o ser humano presta a adoração. O corpo não é somente audição, nem somente se expressa pela fala. Por isso os outros sentidos do corpo humano devem, de modo razoável e lógico, fazer parte da liturgia, sob pena de termos um ser humano mutilado na celebração.
Muitas vezes, e sem perceber, os cristãos se utilizam de expressões corporais e de gestos com o corpo, na adoração: a genuflexão, as mãos postas, as mãos em concha para receber a Eucaristia, o abraço, ficar em pé, sentar. Isso mostra uma linguagem corporal, intuitiva, sem palavras, mas eloquente e que auxiliar a participar do Mistério21. Sendo Deus este Mistério, sempre será mais razoável experimentá-lo do que entendê-lo. Para uma perfeita experiência é necessário que os sentidos do corpo estejam totalmente envolvidos na liturgia.

Um gesto antigo e tão significativo como o Sinal da Cruz, faz parte deste universo simbólico, corporal e repleto de significado que não pode estar fora da liturgia e da vida espiritual de um cristão. O Sinal da Cruz significa que algo ou alguém pertence a Jesus Cristo. Significa que alguém foi separado do mundo para pertencer ao povo de Deus. Por isso, antes de ser um gesto de mera proteção pessoal, a persignação representa um compromisso: submissão a Deus por meio de Jesus Cristo. É a confissão de que alguém está sob o Senhorio de Jesus Cristo, tomando a sua cruz e seguindo-O (Mt 16.24).

Na persignação se faz o sinal da cruz. Isso significa que aquele que se persigna está a serviço da Cruz de Cristo. Torna-se o que no passado se dizia ser um “cruzado”. Um soldado em luta pelos valores cristãos. Um soldado sob o comando de Cristo. Um soldado disposto a combater o bom combate. Sob o signo da Cruz é que o cristão vive no mundo, dando o seu testemunho e realizando as obras de Cristo. Torna-se, pois, uma nova pedagogia da cruz de Cristo, para um melhor conhecimento do significado da persignação.

Isso deve iniciar pela liturgia, passando pela teologia e, finalmente, chegando à práxis cristã no mundo. Não existe práxis sem cruz, nem cruz sem práxis. A cruz é, na verdade, a consequência da práxis. Jesus foi crucificado por causa do que disse e fez. Por causa de Suas Palavras e de Sua prática, teve como coroamento a crucificação. A persignação deixará de ser superstição e mero amuleto, quando se resgatar a verdadeira práxis cristã. Quando o púlpito deixar de ser mera auto-ajuda e passar a ser uma qualificação para a ação cristã no mundo, o sinal da cruz há de se tornar significativo e repleto de conteúdo para aqueles que agem por meio da fé.

Deus permita à Sua Igreja conhecer e entender o sinal de sua marca: Em nome do … Pai, do Filho, e do Espírito Santo. Amém!

Rio de Janeiro, 29 de março de 2011

Ven. Arc. Rev. Carlos Alberto Chaves Fernandes+, OFA
Arcediagado Sul-Sudeste – 2ª Região Eclesiástica
Igreja Anglicana – Diocese do Recife

segunda-feira, 26 de março de 2012

Ministério e Santa Eucaristia: Igreja Alta x Igreja Baixa



Dois padres anglicanos se ofereceram para serem filmados celebrando a Eucaristia. Um pertencente à tradição da Igreja Baixa, e outro da tradição da Igreja Alta. Nas encenações foi utilizado o rito da Oração Eucarística 1 do Book of Alternative Services (1985), da Igreja Anglicana do Canadá. Participaram os reverendos Canon Travis Enright, Vigário da Catedral de Todos os Santos, Edmonton e e Nick Trussell sacerdote missionário para o Sínodo da Diocese Anglicana de Edmonton.

Filmado na The Cathedral Church of All Saints, Edomontn, Canadá

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

A Festa dos Foliões e a Tristeza Protestante



Tira o seu sorriso do caminho
Que eu quero passar com a minha dor.

Minha velha Vovó repetia, por vezes, um adágio popular repleto de sabedoria: “Não é por que um burro dá um coice que se cortam as suas patas!” Na verdade é uma espécie de resumo de um fundamento básico de qualquer boa análise crítica para que não se caia na armadilha metonímica: confundir a parte com o todo.
Harvey Cox em seu livro A Festa dos Foliões, muito importante para quem deseja entender o valor da liturgia, faz uma análise do lúdico e de seu valor para a vida em sociedade, bem como para o indivíduo. Na verdade é uma aplicação dos conceitos utilizados por Johan Huizinga no livro Homo Ludens e, em certo sentido, por Pierre Bourdieu em Economia das Trocas Simbólicas. 
Cox conjuga os sentidos do “jogo” e do “brinquedo” de Huizinga com a análise de Bourdieu da teoria da religião de Max Weber. Uma mistura do valor da celebração, da festa e do lúdico para a saúde pessoal e social, bem como a crítica de um espírito, equivocado, e que somente valoriza o trabalho e a produção como responsáveis pelo bem da sociedade e do indivíduo.
O protestantismo, marcadamente o puritanismo, produziu uma religião cuja ética básica para o indivíduo encontra-se no trabalho e na produção. Por isso, fez uma severa e prejudicial mutilação litúrgica, desvestindo-a dos símbolos, da mística, da arte sacra, resumindo-a, como muito bem disse o Bispo Dom +Robinson Cavalcanti a “quatro paredes caiadas e um sermão”.
Tal somatório gerou uma ética que hiperbolicamente valoriza o trabalho e desvaloriza o lúdico. Nas terras deste Brasil, tal mentalidade, empobrecida pela falta de formação intelectual, quer dos leigos, quer do clero, gerou uma visão empobrecida e falsa e do mundo e do ser humano. Esta visão de mundo e do ser humano fica clara e transparente nas análises “críticas” da maior festa popular do mundo: O Carnaval.
Estas análises acabam pecando no erro que minha vovó desejava que eu, menino, sem sabedoria, não cometesse: a armadilha metonímica. Esquecem que o sério e determinado Dom Quixote, em sua cruzada moral e cavalheiresca, não existe sem o tolo e bufão Sancho Pança. O ser humano é, na verdade, um somatório destes dois símbolos. Ele se pensa como um cavaleiro cheio de nobreza e em busca de altos ideais, mas é uma criança simples e, por vezes, tola, que necessita expressar-se, brincar e se divertir. E, presas na armadilha, as análises condenam o todo por causa dos excessos da parte.
Se desejamos saber se este método está correto (julgar o todo pela parte), basta aplicá-lo a outras análises. Vejamos: cultos neopentecostais exploram as pessoas, logo, todos os cultos são explorações; meu marido me traiu, logo, todos os homens são adúlteros; um padre abusou de uma pessoa menor de idade, logo, todos os religiosos são pedófilos. E se poderia aplicar “ad infinitum” o método e sempre ele se revelaria falso e com conclusões falsas. Justo por que, em lógica, não se aplica ao geral o que é apanágio do particular. Tal análise ou juízo é sofismático.
Entretanto, tal sofisma, confirma um dos fundamentos  do mutilado protestantismo brasileiro: a cultura está sob o domínio do diabo. Lutero pôs fim aos conventos, ao celibato do clero, recolocando a vida eclesiástica de volta ao mundo. Mas o estranho protestantismo brasileiro “demonologizou” a cultura, criando uma área de administração para o diabo no mundo. Por isso a armadilha metonímica tem lugar analítico entre evangélicos e encontra respaldo de verdade no coração dos crentes. A falsidade ganha foro de verdade por causa da estrutura capenga do protestantismo brasileiro.
Os excessos do Carnaval não roubam o seu valor lúdico, nem os benefícios do brinquedo para a saúde mental, nem da fantasia para a sublimação. Nossa cultura é alegre, festiva, quase infantil em suas expressões de beleza. Não há mal no Carnaval. Mal é sempre o coração ou a mente: “tudo é puro para os puros” (Tt 1.15). E, tal maldade, não necessita do Carnaval para ser e se expressar. Ela pode estar revestida de símbolos e cânticos sagrados e ser tão ou mais perversa do que um brinquedo, uma dança, uma expressão lúdica e popular. Está no silêncio diante da injustiça ou no bem que não se faz por covardia e interesse.
Não se realiza qualquer inculturação, conforme exige o ethos anglicano, demonologizando a cultura brasileira. Nem se pode condenar o sorriso de muitos por causa da dor de alguns. Seria como tornar a faca um instrumento criado pelo diabo, somente pelo fato de um perverso assassino tê-la utilizado para dar vazão à maldade de seu coração. Penso ser o tempo de resgatar a beleza da festa, o valor do lúdico e integrar o anglicanismo na cultura brasileira.
Um abraço fraterno,
Ven.Rev. Carlos Alberto Chaves Fernandes+, ofa

terça-feira, 17 de janeiro de 2012

350 anos do Livro de Oração Comum - LOC


Liturgia: Universalidade, Localidade, Humildade


Nesse ano, como anglicanos, celebramos os 350 anos da edição, que se tornou padrão, de 1662, do Livro de Oração Comum (LOC). Todas as edições posteriores, provinciais ou diocesanas do LOC (como o nosso Livro de Oração Comum Brasileiro – LOCb) o têm como base e referência. A liturgia anglicana preenche todos os requisitos de um Cristianismo Apostólico, Reformado, saudável e dinâmico. As palavras do LOC não foram “psicografadas” pelo Arcebispo Thomas Cranmer e sua equipe, mas compiladas de séculos de elaboração, primeiro no Judaísmo (como a Liturgia da Palavra, que começa no exílio), e, depois, das tradições cristãs (Ritos Eucarísticos e Especiais), sendo o mais antigo a de Tiago, irmão do Senhor (até hoje adotado pelos Sirianos), até o Rito de Sarum (Salisbury). Há, assim, tanto a dimensão vertical (histórica) quanto horizontal (universal) que marcam a catolicidade da Igreja, traduzidas para os vernáculos, e em linguagem atualizada, de conteúdo profundo e ortodoxo, e forma participativa.

Mas, o LOC também é local, à medida que permite, de forma intercalada ao seu texto, orações espontâneas, leituras bíblicas diversificadas, sermão próprio, músicas de solo, conjunto, corais ou congregacionais, drama, jograis, comunicações, etc. Se ficássemos apenas no texto do LOC perderíamos a localidade, e se o eliminamos totalmente por “nossas palavras”, perderíamos a universalidade. Tenho dito, para a nossa Diocese que um alvo realista e sensato é que qualquer dos nossos fiéis que viajem para o exterior seja capaz de seguir os cultos locais e que cada ministro, em idêntica situação, se convidados, possam celebrar com desenvoltura as liturgias de suas jurisdições coirmãs. Apenas as palavras do LOC nos assemelhariam aos católicos romanos ou aos ortodoxos orientais; apenas o improviso das palavras “nossas” (às vezes repetição mais medíocre) nos assemelharia aos batistas e pentecostais. Em ambos os casos, sacrificando a identidade e privando o outro da edificação das diferenças que nos caracterizam.

Mas, nossa preocupação nesses tempos do culto-show, do exibicionismo pastoral, de personalidades narcísicas e megalômanas, é com o desvio da glória unicamente devida a Jesus Cristo, e a necessidade do cultivo, pela liderança cristã, da virtude da humildade. Na liturgia, também “é preciso que Ele cresça e que eu diminua”. Estudos apontam para os ritos eucarísticos anglicanos como aqueles que tornam praticamente impossível a mostração ou o exibicionismo pastoral, tão centrado que são na pessoa e na obra de Jesus Cristo. Celebrar a Eucaristia com regularidade não é apenas manter uma tradição salutar da Igreja pela alimentação espiritual dos sacramentos, mas um exercício educativo de cristocentrismo e “cortar das asas” do exibicionismo pastoral.
Por estar escrito, o LOC não sinaliza uma “liturgia de letrados”, pois convertidos analfabetos na África, na Oceania ou no interior da Paraíba, o memorizam e com devoção participam dos ofícios de forma a mais dinâmica.

Cercados, ora pela Igreja Romana, ora pelas Igrejas Batistas e Pentecostais, lamentamos que clérigos nossos façam “corpo mole” com a nossa liturgia oficial, movidos por um sentimento de inferioridade diante das “formas informais” (outras formas...) dos nossos vizinhos, de gramas mais verdes, associando a “santa bagunça” como causa de crescimento quantitativo (inclusive financeiro...).

Nesse ano de 2012, 350 anos da edição de 1662 do Livro de Oração Comum (LOC), devemos promover a desromanização, a desbatistização e a despentecostalização dos nossos cultos, para sermos mais quem somos, termos algo peculiar para contribuir para o conjunto do cristianismo reformado no Brasil, e para a maior honra e glória do nosso Deus.

O caciquismo eclesiástico nos mutilou no passado, como um anglicanismo “sui generis”: sem LOC, sem Cânones e sem Bispos. Que o passado seja passado!

Paripueira (AL), 16 de janeiro de 2012,
Anno Domini.

+Dom Robinson Cavalcanti, ose
Bispo Diocesano

quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

O devido uso do amém

Queridos irmãos,
Queridas irmãs,
 
Paz e Bem.
 
Permitam-me as observações que faço, abaixo sobre a expressão AMÉM!
 
A palavra AMÉM é formada por de um acróstico (um acróstico é quando nós tomamos a primeira letra de cada palavra de uma frase e formamos através delas uma nova palavra) e, em hebraico é: El melerr n’ emam! Isto significa: "Deus meu Rei é fiel para cumprir Suas promessas". Quando dizemos AMÉM estamos na realidade afirmando a fidelidade do Senhor no cumprimento de suas promessas!

Estou escrevendo esta definição, justamente pelo fato de ver, quase sempre as pessoas utilizarem esta INTERJEIÇÃO como se fosse uma INTERROGAÇÃO. O AMÉM é uma afirmação categórica, uma breve confissão de fé. Por isso ele é uma interjeição: Sim! Deus é Rei e fiel! Ele cumpre o que promete! Transformar a interjeição em uma interrogação, pressupõe que Deus não é Rei, é infiel e pode não cumprir o que promete. Isso beira à irreverência ou à heresia.

A expressão: AMÉM? Ou AMÉM!?! Não existe. Ela é impossível quando se refere a Deus. Utilizá-la desta forma incorreta e absurda, é ofender a Deus como Senhor, à Sua fidelidade e duvidar da Sua Palavra. É pressupor que Ele seja um homem para mentir, ou um filho do homem para se arrepender, pois poderia prometer e não cumprir.

Tal “hábito”, penso, presente no linguajar litúrgico de alguns, é mera ignorância do significa do termo e de seu uso na liturgia ou na oração. Faz-se isso por repetição e cópia, sem reflexão ou entendimento.

Diz São Paulo: Porque quantas são as promessas de Deus tantas tem n’Ele [Jesus Cristo] o SIM; porquanto também Ele é o AMÉM para a glória de Deus, por nosso intermédio (2Co 1.20). Transformando isso numa interrogação, seria assim: Jesus é o NÃO às promessas de Deus, pois Ele poderia ser a afirmação da glória divina? Isso seria cômico, se não fosse trágico.

Jesus é o SIM e o AMÉM divinos! Assim seja!

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Ven.Rev. Carlos Alberto Chaves Fernandes+, ofa

terça-feira, 3 de janeiro de 2012

Reflexão - Revista Ultimato 1º Bim/2012


Conflito de Símbolos e Mandato Cultural


Bispo Robinson Cavalcanti ([i])


O panorama religioso do mundo mudou profundamente nas últimas décadas, após o fim da Guerra Fria: “mundo livre”, ou Civilização Ocidental e Cristã vs. os “inimigos” do Império Soviético, em um esquema maniqueísta. Há sinais de vitalidade religiosa em áreas do antigo regime marxista, e sinais de declínio religioso em áreas da antiga “Civilização Ocidental”, cada vez mais excristã, pós-cristã e anticristã. Há bolsões de repressão religiosa no que resta de países comunistas, mas o fato novo – e preocupante – é o florescimento de partidos e movimentos hinduístas, budistas e islâmicos extremistas, advogando o fim da separação entre religião e Estado e a afirmação de suas nacionalidades pela vinculação a religião, e consequente discriminação contra as demais, notadamente o cristianismo. 

Uma revista brasileira de circulação nacional, em recente reportagem, mostrou a crescente perseguição aos cristãos em amplas áreas do globo. A Inglaterra – ex-celeiro de missionários – é o epicentro do Secularismo anticristão no Ocidente, que vai rapidamente se espalhando. É considerado normal para um judeu ortodoxo usar um solidéu, para uma islâmica usar um véu, para o sikh usar um turbante, mas apenas o uso da cruz vai sendo banido, tido como “ofensivo” para a sociedade secularista (multiculturalismo + politicamente correto + agenda GLSBT). A periodização histórica em “antes de Cristo” e o “Anno Domini” vai sendo substituída pelo antes e depois da “Era Comum”. Ministérios estudantis, como a ABU (IVF), vão sendo restringidos, por apresentarem apenas um caminho de salvação e um modo de se viver a sexualidade. Nos Estados Unidos se proíbe a Tábua da Lei em Tribunais, ou o uso da saudação “Feliz Natal” (deve ser apenas “boas festas”), e os símbolos cristãos (cruz, peixe, alfa e ômega, cordeiro) vão sendo varridos em sua visibilidade dos espaços públicos. Proibidos, também, o uso do argumento religioso na esfera pública, os cristãos ocidentais vão sendo empurrados para um gueto, com sua fé restrita às suas consciências, seus lares e seus templos, sem relevância histórica ou influência social.

O ódio secularista se dirige, prioritariamente, ao monoteísmo de revelação, por afirmar conceitos e preceitos morais, tidos como preconceitos, por uma sociedade relativista, amoral e hedonista. Enquanto isso o Islã, financiado pelos petrodólares, vai construindo enormes e visíveis mesquitas no Ocidente para onde emigraram, e em países periféricos onde atuam, com a torre de seus minaretes como lugares mais altos, em uma afirmação de influência e de poder. 

O conflito político-ideológico-econômico vai sendo substituído por um conflito de símbolos religiosos como expressão mais tangível do que já foi denominado de “choque de civilizações”, porque por trás dos símbolos há um conteúdo de valores e estilos de vida, com profundos desdobramentos para os povos. Enquanto isso, nós cristãos, somos ensinados que a humanidade tem um mandato cultural que foi maculado com o Pecado Original, e que é dever da Igreja recuperá-lo segundo o ideal do Criador, ao promover os valores do Reino de Deus, o Direito Natural e o Bem-Comum, como mensageiros, missionários, evangelistas, embaixadores, sal e luz, não de uma Cristandade político-militar ou teocrática, mas afirmadora da soberania de Deus sobre a História, e o reinado do singular Jesus Cristo sobre as nações, o que implica em uma evangelização das culturas, afirmadas, mas chamadas à transformação segundo o projeto do Senhor e o caráter de Cristo. Todas elas estarão um dia diante do Cordeiro. O próximo momento da História será, sem dúvida, um conflito também, e muito, de símbolos (hoje já proibidos ou restringidos).

O bispo anglicano Julian Dobbs tem sugerido a necessidade urgente e imperiosa de uma ampla campanha para que o povo cristão use uma cruz ou outro símbolo cristão como adereços (cordões, lapelas), e os clérigos o seu colarinho ou outra expressão exterior da sua condição, como forma de identificação, afirmação, resistência e testemunho. Nesse sentido, o protestantismo latinoamericano, com sua radical iconoclastia, rejeitando toda beleza, arte plástica e símbolos na adoração (arquitetura e decoração de templos, vestes clericais, etc.), associada, equivocadamente, com idolatria ou com a Igreja Romana, dá um tiro no pé, como “inocente útil” dos adversários, despreparada e fazendo gol contra. 

O secularismo que quer varrer nossos símbolos, para varrer nossa presença e influência, e o Islã, que quer afirmar os deles, e sua hegemonia mundial, agradecem. Ou o protestantismo latinoamericano (e brasileiro) iconoclasta, presentista e informalista, permite que Deus o cure dessa enfermidade espiritual imatura, indo além do discurso ou do show, resgatando uma rica herança, patrimônio de toda a Cristandade, ou vamos ter uma ausência de protagonismo, ou um protagonismo negativo no próximo capítulo da História da Civilização e da História da Igreja. 

A Bíblia, a História, a Antropologia Cultural e a Psicologia Social ajudariam esse salto de qualidade.




[i] Dom Robinson Cavalcanti é bispo anglicano da Diocese do Recife e autor de, entre outros, Cristianismo e Política – teoria bíblica e prática histórica e A Igreja, o País e o Mundo – desafios a uma fé engajada e Anglicanismo: Identidade, Relevância, Desafios.