domingo, 26 de dezembro de 2010

Carta Aberta aos vogais do Conselho de Hinologia, Hinódia e Música da IPB

Por Eduardo Henrique Chagas*

Texto originalmente publicano no blog Sociedade pela Liturgia Reformada e reproduzido com autorização do autor


Na verdade, eu mandei isto por e-mail aos conselheiros. Mas publico aqui também, por ser pertinente.



Reverendos, senhoras, boa tarde.

Sou Mestre-de-capela e Regente Titular do Coro na Igreja Presbiteriana de Franca/SP, e acompanho com interesse o desenvolvimento da hinologia na IPB.

Soube que está em andamento uma seleção de 150 novos hinos a serem adicionados ao NC, e gostaria de saber em que situação ela se encontra. 

Gostaria também de recomendar à atenção dos nobres conselheiros oHinário Anglicano, da IEAB (1962), que traz versões e composições próprias de autores nacionais em temas onde o NC tem sido manifestamente deficiente, principalmente no que se refere ao Calendário Cristão. Temos poucos hinos para o Advento, apenas um de Epifania (misturado aos de Natal), poucos hinos relativos ao Espírito Santo que possam ser empregados em Pentecostes, e nada específico para a Quaresma. Poderíamos também contar com mais hinos para casamentos, Batismo e funerais. E, ao final, tomo a liberdade de transcrever a letra de um belo hino para uso em reuniões conciliares, surpreendentemente extraído do mesmo Hinário Anglicano.

Gostaria, ainda, de saber se a Comissão aproveitará a excelente oportunidade para dar cumprimento à Resolução SC 1970-004, que determinou à então Comissão do Hinário que lhe anexasse "sugestões litúrgicas, litânicas e antífonas, e o que considerar indispensável ao enriquecimento do culto presbiteriano, sem desobediência aos 'Princípios de Liturgia' da CI/IPB;", o que jamais foi feito, como sabemos. O NC atualmente traz no final o Credo Apostólico, o que tenho usado com grande proveito para reintroduzi-lo regularmente no Culto, mas poderia trazer muito mais. Por exemplo: 

  • Modelos de liturgia com textos para o culto dominical, também (e especialmente) visando a celebração da Santa Ceia;
  • Modelos e textos para cultos especiais, como: Batismo e Profissão de Fé, Ordenação de Oficiais e de Ministros, casamentos, funerais, fundação de congregação, organização de igreja, lançamento de pedra fundamental, consagração de templo, organização e reuniões de concílios etc.
  • Modelos também para o culto diário público e doméstico;
  • Calendário Litúrgico e Lecionário, com explicação sobre seu sentido histórico;
  • Orações responsivas entre Oficiante e Povo para as várias partes do culto, como a Confissão de Pecados, as Intercessões e principalmente a Oração Eucarística na Santa Ceia;
  • Mais responsos litúrgicos cantados, como Aleluias, Kyrie Eleison, bênçãos, mais améns etc, a exemplo do que foi feito na IPIB.
  • O Credo Niceno, para figurar junto com o Credo Apostólico;
  • A Oração do Senhor, etc.

Recomendo como exemplos de hinários bem-sucedidos que trazem esse tipo de material litúrgico-musical: no estrangeiro o United Methodist Hymnal e o Presbyterian Hymnal americanos, o Voices United, da Igreja Unida do Canadá, bem como o Lutheran Book of Worship e o Lutheran Service Book, hinários que trazem material suficiente para cultos inteiramente cantados em qualquer ocasião. No Brasil, basta recordar a saudosa memória daquele que foi o hinário mais largamente empregado na IPB antes do Novo Cântico, o Hinário Evangélico com Ritual. Há também o exemplo do hinário adotado pelas igrejas reformadas de origem suíça e holandesa no Brasil, que também traz as formas litúrgicas oficiais dessas igrejas.

A vantagem de se trazer a liturgia no hinário é manifesta: o povo se habitua a acompanhar e a ativamente participar em orações responsivas, ao contrário do velho costume de se usar manuais nas "ocasiões especiais", aos quais apenas os pastores têm acesso, que torna a congregação mera ouvinte e espectadora passiva.

Como fontes para pesquisa de material litúrgico, recomendo oManual do Culto da IPIB bem como o excelente Book of Common Worship da PC(USA). Ainda na tradição reformada podemos enumerar o atual Book of Common Order da Igreja da Escócia, nossa "igreja-avó", com a qual a IPB está restabelecendo relações eclesiásticas, bem como as liturgias da Reformed Church of America e da Eglise Réformée de France, que se encontram disponíveis online.

Não tenho a intenção de ser, com isso, um intruso nos trabalhos da Comissão de Hinologia e Música, mas tão-somente de oferecer o ponto-de-vista de um amante da liturgia cristã histórica e reformada, capacidade na qual me aventuro a editar o blog Sociedade Pela Liturgia Reformada. Renovo aos nobres conselheiros meus votos de elevado respeito e admiração, e assim despeço-me.

Segue a letra do hino nº 304 do HIEAB, ao qual se adequa a música CWM RHONDA (NC 350):

304. Concílio

Em Concílio reunidos
Imploramos-te, Senhor,
Tua direção divina,
Paz e fraternal amor.
Tua Igreja, tua Igreja
Quer servir-te, Salvador.

Pela senda da verdade,
Da justiça e retidão,
Guia-nos os frágeis passos,
Vem tomar-nos pela mão.
Luz divina, luz divina,
Vence toda a escuridão.

Que os trabalhos do Concílio
Tragam bênçãos tão reais
Que os obreiros se desdobrem
Na seara, mais e mais.
E seremos, e seremos
Missionários teus leais. Amém.
 (Silvano Rocha Filho)

Sincera e respeitosamente,

Eduardo H. Chagas


*Eduardo Henrique Chagas é Bacharel em Direito, advogado, candidato a teólogo e a Ministro da Palavra e dos Sacramentos e membro da Igreja Presbiteriana do Franca (IPB), São Paulo.

sábado, 18 de dezembro de 2010

O Tempo do Advento, o Ciclo Natalino, o Início do Calendário Cristão, as Cores e o Lecionário Liturgicos

O Ano Cristão ou Ano Litúrgico é o cronograma da contagem de tempos e épocas que faz a Igreja de Cristo em torno dos eventos histórico-redentivos que Deus realizou, no passado, para louvor da sua glória, para o bem de seu povo e para a o julgamento de toda a humanidade. O Ano Cristão (AC) ou Ano Litúrgico (AL) organiza-se em torno de dois ciclos ou períodos anuais dominantes, a saber, o Tempo da Quaresma e o Tempo do Advento. O segundo destes dois ciclos dominantes do calendário é também chamado de Ciclo do Natal. Reconhece-se, todavia, que, historicamente, não tenha sido a atual data do Natal (25 de dezembro) o primeiro dia escolhido pela Igreja para ser marcadamente o dia de celebração do nascimento de Jesus, mas sim, o Dia da Epifania, que corresponde ao dia 06 de janeiro. Muitas são as explicações sobre o dia da Epifania, celebrado no dia seis de janeiro. Mas seja como for ele era visto na conformidade com o nome: a manifestação de Deus em Cristo. O termo Epifania quer dizer literalmente isso “manifestação”, no sentido de revelação: Deus está presente em Cristo e mostra-se ao mundo n’Ele. Por isso esta festa inicia com o nascimento de Jesus onde ele manifestou-se aos pastores no campo e aos magos vindos do oriente, além de revelar-se a Zacarias, quando da circuncisão do Senhor, bem como a João Batista, quando do batismo do Senhor no Rio Jordão. Parte ainda desta manifestação, anterior ao seu chamado Ministério Público, encontra-se na passagem das Bodas de Caná, quando Jesus manifestou [termo grego cujo radical é epifaneia] a Sua glória (Jo. 2.11).

Somente no IV século é que temos o aparecimento das celebrações do Dia do Natal. Foi o Imperador Constantino que, combatendo a celebração pagã do Sol Invicto, adorado no dia 25 de dezembro (solstício do inverno), o estabeleceu oficialmente. Como o único Sol Nascente das Alturas é o Senhor Jesus Cristo, o Imperador, em 354, adota esta data para celebrar o nascimento de Jesus, em combate claro ao paganismo de então. O Rev. Prof. J. F. White esclarece este ponto, fazendo referências a João Crisóstomo, quando registrou:

“Crisóstomo disse a uma comunidade de Antioquia no Dia do Natal de 386: ‘Este dia (…) o qual nos foi trazido agora, não muitos anos atrás, desenvolveu-se tão rapidamente e trouxe tantos frutos’. No Dia da Epifania subseqüente ele explicou: ‘Pois este é o dia no qual Ele foi batizado e tornou sagrada a natureza das águas. (…) Por que é este dia chamado, então, de Epifania? Porque não foi ao nascer que Ele se tornou manifesto a todos, mas ao ser batizado; pois até este dia era desconhecido das multidões’”.

Como os dois ciclos do calendário cristão são marcados por um período onde há uma festa central, antecipado por um período de preparação e seguido de um outro período de celebração. Por exemplo, para a comemoração do Natal o período de preparação é o Tempo do Advento. Este termo quer dizer “vinda” ou “chegada”. Este é o período de preparação para a chegada do Senhor, feito de quatro domingos anteriores ao Natal. No dia seis de janeiro temos o Dia da Epifania e seguindo a este os domingos posteriores a ela (oito domingos).

Estes períodos diferentes, dentro de cada ciclo, são caracterizados por meio das Cores Litúrgicas. Muito se tem procurado significados e sentidos para elas, mas a melhor orientação é aquela que admite que as mesmas tem mais lugar por causa do uso do que por significados simbólicos em si. Mas, seja como for, alguma leitura pode se fazer das mesmas. As cores litúrgicas são: roxo, branco e/ou ouro, verde, vermelho, preto e, mais recentemente, o azul real:

• branco e/ou dourado, por seu uso relacionado à luz e ao metal nobre (ouro), representam a Divindade, com sua luz, sua glória e seu triunfo real. Sempre estão ligadas às chamadas Festas do Senhor, ou seja: Natal e seus domingos seguintes, Páscoa e seus domingos seguintes, Batismo do Senhor, Epifania do Senhor, Transfiguração do Senhor, Ascensão do Senhor, Santa Trindade e a Cristo Rei do Universo (último domingo do calendário litúrgico onde se celebra o senhorio de Jesus sobre tudo e todos);

• vermelho, por seu uso relacionado ao fogo e ao sangue (em lembrança do sangue dos mártires que, segundo Tertuliano, regou a semente do Evangelho) é utilizado para significar a descida do Espírito Santo em línguas como de fogo, além das demais Festa da Igreja, tais como Dia da Reforma (31 de outubro), dia da Igreja Presbiteriana (12 de agosto), aniversário de uma comunidade local, ordenação de ministros e outros ofícios da Igreja;

• roxo, ligado aos período de reflexão e preparação para as duas festas centrais do calendário. Assim, a Quaresma e o Advento;

• preto, usada exclusivamente na Sexta-feira da Paixão, dia da morte do Senhor Jesus Cristo, por relacionar-se com a morte;

• verde, alguns a consideram relacionada à vida e ao crescimento, por isso, são utilizadas nos períodos chamados depois da Epifania e depois do Pentecostes;

• azul real, usada mais recentemente para o período do Advento, em substituição ao roxo, pois se relaciona ao Rei que vem em nome do Senhor.

Aceitamos que o grande valor do Calendário Litúrgico é nos guardar de vivermos uma espiritualidade de um lado individualista e, de outro, superficial. Seguir a sua inspiração, estabelecida por anos de uso, pois remonta o uso dos Salmos, dos Profetas ao próprio Novo Testamento e, assim, à Igreja Primitiva, nos ajuda a um crescimento maior na fé. Pois os domingos são marcados de pelo menos quatro textos fundamentais: Antigo Testamento, Salmos, Epístolas e Evangelho. Com isso temos resgatada a centralidade da Palavra de Deus no Culto Dominical, não ficando a comunidade ao “sabor” de seus dirigentes e/ou pregadores. Usar um texto estabelecido e num sentido relacionado aos demais do domingo, “obriga” o pregador a deixar que o texto e seu(s) tema(s) fale(m) ao povo de Deus e não as idiossincrasias do ministro, exigindo do mesmo que faça uma real “exposição bíblica” nutrindo o povo com o verdadeiro leite espiritual.

Deve-se, por fim, registrar que, ao longo da história da Igreja, foram feitas muitas Tábuas de leitura dominical, sendo que, atualmente, a mais utilizada é a chamada Lecionário Trienal Comum. Ele foi elaborado por liturgos de todo o mundo e de diferentes tradições cristãs, inclusive de origem presbiteriana e reformada, onde trabalharam no mesmo desde 1978, sendo publicado em 1983 e revisado em 1992.

Denomina-se “trienal”, pois ele é feito para uso de três em três anos, nos chamados Ano A, Ano B e Ano C. No primeiro ano a leitura central é do Evangelho de Mateus, no segundo de Marcos e no terceiro de Lucas, permitindo a leitura completa dos evangelhos, dos profetas, dos demais livros do Antigo Testamento e das epístolas, no período de três anos.

Há, ainda, uma seqüência opcional de leituras semanais, que orientam a vida devocional, integrando-a ao movimento dominical e seus temas, o que facilita seu uso na matinas e nas vésperas, das comunidade que ainda se utilizam destas devoções diárias, como faziam a igrejas de Estrasburgo, Basiléia e Genebra, nos tempos dos reformadores Zuínglio e Calvino.

Não existe tempo onde Deus não se manifeste e, por isso, todos os tempos e dias são sagrados e santos, pois os vivemos para Deus, reafirmando com Paulo: quer vivamos, quer morramos, somos do Senhor. Por isso, temos o hábito da leitura diária da Escritura e seguimos este hábito não somente por mero uso e costume, mas porque acreditamos que Deus, pela Palavra, fala por Seu Espírito ao nosso coração. Razão, porque, segue-se a nossa recomendação final: Leia a Bíblia, nela você encontrará as palavras de vida eterna.

*texto de autoria do Ven. Arc. Carlos Alberto Chaves Fernandes (DAR)