terça-feira, 17 de janeiro de 2012

350 anos do Livro de Oração Comum - LOC


Liturgia: Universalidade, Localidade, Humildade


Nesse ano, como anglicanos, celebramos os 350 anos da edição, que se tornou padrão, de 1662, do Livro de Oração Comum (LOC). Todas as edições posteriores, provinciais ou diocesanas do LOC (como o nosso Livro de Oração Comum Brasileiro – LOCb) o têm como base e referência. A liturgia anglicana preenche todos os requisitos de um Cristianismo Apostólico, Reformado, saudável e dinâmico. As palavras do LOC não foram “psicografadas” pelo Arcebispo Thomas Cranmer e sua equipe, mas compiladas de séculos de elaboração, primeiro no Judaísmo (como a Liturgia da Palavra, que começa no exílio), e, depois, das tradições cristãs (Ritos Eucarísticos e Especiais), sendo o mais antigo a de Tiago, irmão do Senhor (até hoje adotado pelos Sirianos), até o Rito de Sarum (Salisbury). Há, assim, tanto a dimensão vertical (histórica) quanto horizontal (universal) que marcam a catolicidade da Igreja, traduzidas para os vernáculos, e em linguagem atualizada, de conteúdo profundo e ortodoxo, e forma participativa.

Mas, o LOC também é local, à medida que permite, de forma intercalada ao seu texto, orações espontâneas, leituras bíblicas diversificadas, sermão próprio, músicas de solo, conjunto, corais ou congregacionais, drama, jograis, comunicações, etc. Se ficássemos apenas no texto do LOC perderíamos a localidade, e se o eliminamos totalmente por “nossas palavras”, perderíamos a universalidade. Tenho dito, para a nossa Diocese que um alvo realista e sensato é que qualquer dos nossos fiéis que viajem para o exterior seja capaz de seguir os cultos locais e que cada ministro, em idêntica situação, se convidados, possam celebrar com desenvoltura as liturgias de suas jurisdições coirmãs. Apenas as palavras do LOC nos assemelhariam aos católicos romanos ou aos ortodoxos orientais; apenas o improviso das palavras “nossas” (às vezes repetição mais medíocre) nos assemelharia aos batistas e pentecostais. Em ambos os casos, sacrificando a identidade e privando o outro da edificação das diferenças que nos caracterizam.

Mas, nossa preocupação nesses tempos do culto-show, do exibicionismo pastoral, de personalidades narcísicas e megalômanas, é com o desvio da glória unicamente devida a Jesus Cristo, e a necessidade do cultivo, pela liderança cristã, da virtude da humildade. Na liturgia, também “é preciso que Ele cresça e que eu diminua”. Estudos apontam para os ritos eucarísticos anglicanos como aqueles que tornam praticamente impossível a mostração ou o exibicionismo pastoral, tão centrado que são na pessoa e na obra de Jesus Cristo. Celebrar a Eucaristia com regularidade não é apenas manter uma tradição salutar da Igreja pela alimentação espiritual dos sacramentos, mas um exercício educativo de cristocentrismo e “cortar das asas” do exibicionismo pastoral.
Por estar escrito, o LOC não sinaliza uma “liturgia de letrados”, pois convertidos analfabetos na África, na Oceania ou no interior da Paraíba, o memorizam e com devoção participam dos ofícios de forma a mais dinâmica.

Cercados, ora pela Igreja Romana, ora pelas Igrejas Batistas e Pentecostais, lamentamos que clérigos nossos façam “corpo mole” com a nossa liturgia oficial, movidos por um sentimento de inferioridade diante das “formas informais” (outras formas...) dos nossos vizinhos, de gramas mais verdes, associando a “santa bagunça” como causa de crescimento quantitativo (inclusive financeiro...).

Nesse ano de 2012, 350 anos da edição de 1662 do Livro de Oração Comum (LOC), devemos promover a desromanização, a desbatistização e a despentecostalização dos nossos cultos, para sermos mais quem somos, termos algo peculiar para contribuir para o conjunto do cristianismo reformado no Brasil, e para a maior honra e glória do nosso Deus.

O caciquismo eclesiástico nos mutilou no passado, como um anglicanismo “sui generis”: sem LOC, sem Cânones e sem Bispos. Que o passado seja passado!

Paripueira (AL), 16 de janeiro de 2012,
Anno Domini.

+Dom Robinson Cavalcanti, ose
Bispo Diocesano

quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

O devido uso do amém

Queridos irmãos,
Queridas irmãs,
 
Paz e Bem.
 
Permitam-me as observações que faço, abaixo sobre a expressão AMÉM!
 
A palavra AMÉM é formada por de um acróstico (um acróstico é quando nós tomamos a primeira letra de cada palavra de uma frase e formamos através delas uma nova palavra) e, em hebraico é: El melerr n’ emam! Isto significa: "Deus meu Rei é fiel para cumprir Suas promessas". Quando dizemos AMÉM estamos na realidade afirmando a fidelidade do Senhor no cumprimento de suas promessas!

Estou escrevendo esta definição, justamente pelo fato de ver, quase sempre as pessoas utilizarem esta INTERJEIÇÃO como se fosse uma INTERROGAÇÃO. O AMÉM é uma afirmação categórica, uma breve confissão de fé. Por isso ele é uma interjeição: Sim! Deus é Rei e fiel! Ele cumpre o que promete! Transformar a interjeição em uma interrogação, pressupõe que Deus não é Rei, é infiel e pode não cumprir o que promete. Isso beira à irreverência ou à heresia.

A expressão: AMÉM? Ou AMÉM!?! Não existe. Ela é impossível quando se refere a Deus. Utilizá-la desta forma incorreta e absurda, é ofender a Deus como Senhor, à Sua fidelidade e duvidar da Sua Palavra. É pressupor que Ele seja um homem para mentir, ou um filho do homem para se arrepender, pois poderia prometer e não cumprir.

Tal “hábito”, penso, presente no linguajar litúrgico de alguns, é mera ignorância do significa do termo e de seu uso na liturgia ou na oração. Faz-se isso por repetição e cópia, sem reflexão ou entendimento.

Diz São Paulo: Porque quantas são as promessas de Deus tantas tem n’Ele [Jesus Cristo] o SIM; porquanto também Ele é o AMÉM para a glória de Deus, por nosso intermédio (2Co 1.20). Transformando isso numa interrogação, seria assim: Jesus é o NÃO às promessas de Deus, pois Ele poderia ser a afirmação da glória divina? Isso seria cômico, se não fosse trágico.

Jesus é o SIM e o AMÉM divinos! Assim seja!

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Ven.Rev. Carlos Alberto Chaves Fernandes+, ofa

terça-feira, 3 de janeiro de 2012

Reflexão - Revista Ultimato 1º Bim/2012


Conflito de Símbolos e Mandato Cultural


Bispo Robinson Cavalcanti ([i])


O panorama religioso do mundo mudou profundamente nas últimas décadas, após o fim da Guerra Fria: “mundo livre”, ou Civilização Ocidental e Cristã vs. os “inimigos” do Império Soviético, em um esquema maniqueísta. Há sinais de vitalidade religiosa em áreas do antigo regime marxista, e sinais de declínio religioso em áreas da antiga “Civilização Ocidental”, cada vez mais excristã, pós-cristã e anticristã. Há bolsões de repressão religiosa no que resta de países comunistas, mas o fato novo – e preocupante – é o florescimento de partidos e movimentos hinduístas, budistas e islâmicos extremistas, advogando o fim da separação entre religião e Estado e a afirmação de suas nacionalidades pela vinculação a religião, e consequente discriminação contra as demais, notadamente o cristianismo. 

Uma revista brasileira de circulação nacional, em recente reportagem, mostrou a crescente perseguição aos cristãos em amplas áreas do globo. A Inglaterra – ex-celeiro de missionários – é o epicentro do Secularismo anticristão no Ocidente, que vai rapidamente se espalhando. É considerado normal para um judeu ortodoxo usar um solidéu, para uma islâmica usar um véu, para o sikh usar um turbante, mas apenas o uso da cruz vai sendo banido, tido como “ofensivo” para a sociedade secularista (multiculturalismo + politicamente correto + agenda GLSBT). A periodização histórica em “antes de Cristo” e o “Anno Domini” vai sendo substituída pelo antes e depois da “Era Comum”. Ministérios estudantis, como a ABU (IVF), vão sendo restringidos, por apresentarem apenas um caminho de salvação e um modo de se viver a sexualidade. Nos Estados Unidos se proíbe a Tábua da Lei em Tribunais, ou o uso da saudação “Feliz Natal” (deve ser apenas “boas festas”), e os símbolos cristãos (cruz, peixe, alfa e ômega, cordeiro) vão sendo varridos em sua visibilidade dos espaços públicos. Proibidos, também, o uso do argumento religioso na esfera pública, os cristãos ocidentais vão sendo empurrados para um gueto, com sua fé restrita às suas consciências, seus lares e seus templos, sem relevância histórica ou influência social.

O ódio secularista se dirige, prioritariamente, ao monoteísmo de revelação, por afirmar conceitos e preceitos morais, tidos como preconceitos, por uma sociedade relativista, amoral e hedonista. Enquanto isso o Islã, financiado pelos petrodólares, vai construindo enormes e visíveis mesquitas no Ocidente para onde emigraram, e em países periféricos onde atuam, com a torre de seus minaretes como lugares mais altos, em uma afirmação de influência e de poder. 

O conflito político-ideológico-econômico vai sendo substituído por um conflito de símbolos religiosos como expressão mais tangível do que já foi denominado de “choque de civilizações”, porque por trás dos símbolos há um conteúdo de valores e estilos de vida, com profundos desdobramentos para os povos. Enquanto isso, nós cristãos, somos ensinados que a humanidade tem um mandato cultural que foi maculado com o Pecado Original, e que é dever da Igreja recuperá-lo segundo o ideal do Criador, ao promover os valores do Reino de Deus, o Direito Natural e o Bem-Comum, como mensageiros, missionários, evangelistas, embaixadores, sal e luz, não de uma Cristandade político-militar ou teocrática, mas afirmadora da soberania de Deus sobre a História, e o reinado do singular Jesus Cristo sobre as nações, o que implica em uma evangelização das culturas, afirmadas, mas chamadas à transformação segundo o projeto do Senhor e o caráter de Cristo. Todas elas estarão um dia diante do Cordeiro. O próximo momento da História será, sem dúvida, um conflito também, e muito, de símbolos (hoje já proibidos ou restringidos).

O bispo anglicano Julian Dobbs tem sugerido a necessidade urgente e imperiosa de uma ampla campanha para que o povo cristão use uma cruz ou outro símbolo cristão como adereços (cordões, lapelas), e os clérigos o seu colarinho ou outra expressão exterior da sua condição, como forma de identificação, afirmação, resistência e testemunho. Nesse sentido, o protestantismo latinoamericano, com sua radical iconoclastia, rejeitando toda beleza, arte plástica e símbolos na adoração (arquitetura e decoração de templos, vestes clericais, etc.), associada, equivocadamente, com idolatria ou com a Igreja Romana, dá um tiro no pé, como “inocente útil” dos adversários, despreparada e fazendo gol contra. 

O secularismo que quer varrer nossos símbolos, para varrer nossa presença e influência, e o Islã, que quer afirmar os deles, e sua hegemonia mundial, agradecem. Ou o protestantismo latinoamericano (e brasileiro) iconoclasta, presentista e informalista, permite que Deus o cure dessa enfermidade espiritual imatura, indo além do discurso ou do show, resgatando uma rica herança, patrimônio de toda a Cristandade, ou vamos ter uma ausência de protagonismo, ou um protagonismo negativo no próximo capítulo da História da Civilização e da História da Igreja. 

A Bíblia, a História, a Antropologia Cultural e a Psicologia Social ajudariam esse salto de qualidade.




[i] Dom Robinson Cavalcanti é bispo anglicano da Diocese do Recife e autor de, entre outros, Cristianismo e Política – teoria bíblica e prática histórica e A Igreja, o País e o Mundo – desafios a uma fé engajada e Anglicanismo: Identidade, Relevância, Desafios.