Liturgia: Universalidade, Localidade, Humildade
Nesse
ano, como anglicanos, celebramos os 350 anos da edição, que se tornou
padrão, de 1662, do Livro de Oração Comum (LOC). Todas as edições
posteriores, provinciais ou diocesanas do LOC (como o nosso Livro de
Oração Comum Brasileiro – LOCb) o têm como base e referência. A liturgia
anglicana preenche todos os requisitos de um Cristianismo Apostólico,
Reformado, saudável e dinâmico. As palavras do LOC não foram “psicografadas” pelo Arcebispo Thomas Cranmer
e sua equipe, mas compiladas de séculos de elaboração, primeiro no
Judaísmo (como a Liturgia da Palavra, que começa no exílio), e, depois,
das tradições cristãs (Ritos Eucarísticos e Especiais), sendo o mais
antigo a de Tiago, irmão do Senhor (até hoje adotado pelos Sirianos),
até o Rito de Sarum (Salisbury). Há, assim, tanto a dimensão vertical
(histórica) quanto horizontal (universal) que marcam a catolicidade da
Igreja, traduzidas para os vernáculos, e em linguagem atualizada, de
conteúdo profundo e ortodoxo, e forma participativa.
Mas,
o LOC também é local, à medida que permite, de forma intercalada ao seu
texto, orações espontâneas, leituras bíblicas diversificadas, sermão
próprio, músicas de solo, conjunto, corais ou congregacionais, drama,
jograis, comunicações, etc. Se ficássemos apenas no texto do LOC
perderíamos a localidade, e se o eliminamos totalmente por “nossas palavras”,
perderíamos a universalidade. Tenho dito, para a nossa Diocese que um
alvo realista e sensato é que qualquer dos nossos fiéis que viajem para o
exterior seja capaz de seguir os cultos locais e que cada ministro, em
idêntica situação, se convidados, possam celebrar com desenvoltura as
liturgias de suas jurisdições coirmãs. Apenas as palavras do LOC nos
assemelhariam aos católicos romanos ou aos ortodoxos orientais; apenas o
improviso das palavras “nossas” (às vezes repetição mais
medíocre) nos assemelharia aos batistas e pentecostais. Em ambos os
casos, sacrificando a identidade e privando o outro da edificação das
diferenças que nos caracterizam.
Mas,
nossa preocupação nesses tempos do culto-show, do exibicionismo
pastoral, de personalidades narcísicas e megalômanas, é com o desvio da
glória unicamente devida a Jesus Cristo, e a necessidade do cultivo,
pela liderança cristã, da virtude da humildade. Na liturgia, também “é preciso que Ele cresça e que eu diminua”.
Estudos apontam para os ritos eucarísticos anglicanos como aqueles que
tornam praticamente impossível a mostração ou o exibicionismo pastoral,
tão centrado que são na pessoa e na obra de Jesus Cristo. Celebrar a
Eucaristia com regularidade não é apenas manter uma tradição salutar da
Igreja pela alimentação espiritual dos sacramentos, mas um exercício
educativo de cristocentrismo e “cortar das asas” do exibicionismo pastoral.
Por estar escrito, o LOC não sinaliza uma “liturgia de letrados”,
pois convertidos analfabetos na África, na Oceania ou no interior da
Paraíba, o memorizam e com devoção participam dos ofícios de forma a
mais dinâmica.
Cercados, ora pela Igreja Romana, ora pelas Igrejas Batistas e Pentecostais, lamentamos que clérigos nossos façam “corpo mole” com a nossa liturgia oficial, movidos por um sentimento de inferioridade diante das “formas informais” (outras formas...) dos nossos vizinhos, de gramas mais verdes, associando a “santa bagunça” como causa de crescimento quantitativo (inclusive financeiro...).
Nesse
ano de 2012, 350 anos da edição de 1662 do Livro de Oração Comum (LOC),
devemos promover a desromanização, a desbatistização e a
despentecostalização dos nossos cultos, para sermos mais quem somos,
termos algo peculiar para contribuir para o conjunto do cristianismo
reformado no Brasil, e para a maior honra e glória do nosso Deus.
O caciquismo eclesiástico nos mutilou no passado, como um anglicanismo “sui generis”: sem LOC, sem Cânones e sem Bispos. Que o passado seja passado!
Paripueira (AL), 16 de janeiro de 2012,
Anno Domini.
+Dom Robinson Cavalcanti, ose
Bispo Diocesano