segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Visita do bispo de Roma a Erfurt: Um passinho pra frente no diálogo ecumênico?


Bento XVI em Friburgo, Alemanha, onde pregou e celebrou a Eucaristia

O bispo de Roma, Bento XVI, em sua recente visita a Erfurt, na Alemanha, deixou clara a sua simpatia por Lutero. Se o que está por trás de seus  gestos e palavras é apenas um formalismo diplomático (não nos esqueçamos de que o pontífice, além de cabeça da Igreja Romana, é também chefe de Estado), ou uma sincera admiração pelo reformador alemão, não sabemos. Fato é que, por ocasião de sua passada pela cidade onde fora ordanado sacerdote Martinho Lutero, e em seu contato com líderes da Igreja Luterana da Alemanha, Bento XVI, andou emitindo elogios em série ao gênio religioso de Lutero, ao mesmo tempo que recomendou ao povo católico-romano a imitação de seu fervor espiritual e  de sua perspicácia teológica. Vejamos, a seguir, algumas das declarações mais importantes do bispo de Roma a respeito do célebre reformador alemão:

Como Bispo de Roma é para mim um um momento  encontrar-me no antigo convento agostiniano de Erfurt com os representantes do Conselho da Igreja Evangélica na Alemanha. Aqui, Lutero estudou teologia. Aqui em 1507, foi ordenado sacerdote. Contra os desejos de seu pai, não continuou os estudos em Direito, mas estudou teologia e se encaminhou ao sacerdócio na Ordem de Santo Agostinho. Neste caminho, não lhe interessava isso ou aquilo. O que lhe tirava a paz era a questão de Deus, que foi a paixão profunda e o centro de sua vida e seu caminho. [ênfase nossa]
                                                   Fonte: http://www.zenit.org/article-40469?l=spanish
Lutero, na Dieta de Worms - 1521 A.D.

"Foi um erro da idade confessional haver visto maiormente aquilo que nos separa, e haver percebido o modo essencial do que temos em comum em grandes pautas da Sagrada Escritura e nas profissões de fé do cristianismo antigo. Este tem sido o grande progresso ecumênico das últimas décadas: nos demos conta dessa comunhão e, no orar e cantar , na tarefa comum da ética cristã para o mundo, no testemunho comum ao Senhor Jesus Cristo neste mundo, reconhecemos esta comunhão como nosso fundamento imperecível." [ênfase nossa].
           Fonte:http://revistaecclesia.com/index.php?option=com_content&task=view&id=29015&Itemid=323-

"Esse Deus tem uma face, e ele falou conosco. Ele se tornou um de nós no homem Jesus Cristo - que é tanto verdadeiro Deus quanto verdadeiro Homem. O pensamento de Lutero, sua completa espiritualidade, foi perfeitamente Cristocêntrico: "O que promove a causa de Cristo" foi para Lutero o critério hermenêutico decisivo para a exegese da Sagrada Escritura."
               Fonte: http://roberto-cavalcanti.blogspot.com/2011/10/bento-xvi-louva-lutero-em-discurso.html



A seguir, tratando da mesma questão, temos um texto de caráter ecumênico bastante significativo, de autoria do arcebispo romano de Londrina, Dom Orlando Brandes:

 
O Papa e Lutero
 

O Papa Bento XVI iniciou na última quinta-feira a sua terceira viagem apostólica à Alemanha. Dessa vez o centro da visita é a cidade de Erfurt à qual Martim Lutero esteve muito vinculado.

Na ocasião a Igreja Católica e a Federação Luterana Mundial irão assinar uma Declaração conjunta em comemoração aos quinhentos anos da publicação das 95 teses de Lutero. O foco dessa viagem do Papa é ecumênico. Em 1983 a Comissão Católico-Luterana publicou uma Declaração Ecumênica sobre a pessoa e a obra de Lutero que vamos agora conhecer. São seis pontos de reflexão, a saber:

1. Lutero em seus escritos e pregação, expressa uma profunda experiência de Deus. Sua maior descoberta é que “o justo vive de fé (Rm 1,17) e da misericórdia de Deus. O apelo luterano à reforma da Igreja é um convite á conversão, à escuta do Evangelho do qual a Igreja tinha se afastado.

2. Lutero nunca teve a intenção de fundar uma nova Igreja nem queria separar-se da Igreja Católica. Foram as circunstâncias, que atropelaram os conflitos e provocaram a ruptura. As idéias de Lutero foram recebendo ao longo da história numerosas distorções e simplificações abusivas, tanto no catolicismo como no protestantismo.

3. Hoje, percebemos um intenso trabalho de revisão das idéias e da pessoa de Lutero. Não se trata de “catolicizar Lutero”, mas de compreender seu ideal de reformador. “Bem falou o cardeal Willebrands, diz a Declaração, quando afirma: Lutero procurou viver honestamente e com abnegação a mensagem do Evangelho”.
 
4. Como teólogo, pregador, pastor, compositor de hinos e homem de oração, Lutero apela à primazia da Palavra de Deus na vida, ensino e serviço da Igreja. Prega a confiança absoluta na misericórdia divina, compreende a graça como uma relação pessoal entre Deus e o homem.

5. Tanto luteranos como católicos são hoje conscientes dos limites da pessoa e das obras de Lutero: seus ataques polêmicos, seus escritos contra judeus, sua consciência apocalíptica em relação ao papado, ao movimento anabatista e à guerra dos camponeses e outras condenações inaceitáveis.

6. Em síntese, afirma a Declaração, citando novamente o cardeal Willebrands: “Lutero pode ser nosso mestre comum na afirmação de que Deus deve ter o Primeiro lugar em nossa vida e que nossa resposta humana deve ser a confiança absoluta e a adoração de Deus’’. A quem reza e medita é revelada pelo Espírito Santo a misericórdia de Deus”, dizia Lutero.

Portanto, está superada aquela visão de que Lutero era um herói para uns e herege para outros. Uns fizeram dele um santo, outros um demônio rebelde. Estão acabando as lendas e se impõe hoje um "respeito critico".

“Não se trata de uma ‘‘catolização de Lutero”, mas de uma compreensão histórica mais justa, sobre sua pessoa e sua obra que favorece o ecumenismo. A visita apostólica de Bento 16 a Erfurt quer ser um estimulo à unidade dos cristãos.

A visita apostólica de Bento XVI a Erfurt quer ser um estimulo à unidade dos cristãos. Desde o Concilio Vaticano II o ecumenismo é prioridade. Vamos celebrar os 50 anos do Concílio, estamos dando passos muito lentos em relação á unidade dos Cristãos. Viver o ecumenismo é colaborar com a união dos povos. Se formos unidos o mundo crerá
                       

Dom Orlando Brandes
Arcebispo de Londrina - ICAR


domingo, 6 de novembro de 2011

31 de Outubro: Dia da Reforma

 

Ven. Arc. Rev. Carlos Alberto (*)



Sendo hoje o dia da Reforma, cabe perguntar: Quando e onde começa o anglicanismo? Qual a relação entre a Igreja da Inglaterra e o anglicanismo? Quando desejamos falar sobre a Reforma do Séc. XVI não se pode deixar de levantar estas questões. Podemos destacar três fases diferentes no cristianismo que se instalou nas chamadas Ilhas Britânicas, conforme muito bem já definiu o nosso amado Bispo em seu livro: 1) Celta; 2) Romana; 3) Reformada. Assim, respondendo às perguntas, diríamos que o anglicanismo nasce da terceira fase da Igreja da Inglaterra, espalhando-se pelo mundo, sob a influência da Reforma.

Sem entender as fases diferentes da Igreja da Inglaterra, torna-se difícil saber o que é anglicanismo ou “Comunhão Anglicana”. Vejamos as suas diferentes fases: Celta, Romana e Reformada.

A Celta. Por causa da perseguição ao cristianismo na Gália (hoje, França), cristãos daquela região refugiaram-se, a partir de 77 d.C., na Britânia (Ilhas Britânicas). Estes, mais os funcionários e comerciantes do Império Romano que abraçaram o cristianismo, levaram a fé àquela região. Os nativos que acolheram a fé na Britânia cristã foram os celtas, habitantes do norte daquela região (hoje, Irlanda, Escócia, País de Gales). Eles formaram, por sete séculos, uma Igreja Cristã independente de Roma. Com a invasão bárbara o cristianismo foi varrido da região, refugiando-se no norte. Em 597 d.C., Agostinho e mais 40 monges são enviados por Roma à região centro-sul da Ilha, com a finalidade de evangelizá-la. Estabelecidos em Cantuária, passaram a propagar a fé cristã. Por isso, mais tarde, sagrando-se Bispo de Cantuária, ficou aquele missionário conhecido como Agostinho de Cantuária. Converteram-se mais de dez mil pessoas e Agostinho procurou unir a Igreja Celta à Diocese de Cantuária, respeitando os costumes estabelecidos na região. 

Antigo santuário celta, Irlanda

A Romana. Após de grande e longa resistência, a Igreja Celta aceita submeter-se à autoridade do Bispo de Roma, em 667 d.C., ano Concílio de Whibty, formando-se a Igreja sob a autoridade de dois bispos: o de Cantuária e o de York, mantendo a sua identidade celta. Por questões geográficas e políticas, apesar da submissão à Roma, pouca influência exercia o Papa sobre a Igreja Inglesa. Surge, no Séc. XVI, com John Wycclif, grande crítica ao romanismo, divulgação do Evangelho na língua inglesa, a criação de uma ordem de irmãos leigos (os lolardos) que, perseguida, divulga princípios evangélicos, mantendo-se ativa até a Reforma.


Sto.Agostinho de Cantuária batizando o rei Ethelbert
A Reformada. Professores de Oxford (sob influência de Wycclif) e de Cambridge (W. Tyndale, R. Barnes, T. Cranmer e M. Coverdale) levantaram críticas semelhantes a dos lolardos, sob influência do pensamento de Lutero, questionando a Igreja, seu clero e o Papado. Um nacionalismo crescente e interesses políticos das dinastias reais (Tudor e Stuart) ajudaram a fomentar a difícil, mas crescente, Reforma da Igreja. Assim, em diferentes momentos, seguiu a Reforma com: a) o rompimento com a Igreja Romana e o Bispo de Roma (1534); b) o breve reinado de Eduardo VI com o aprofundamento do protestantismo e os Artigos de Fé da Igreja (de teologia reformada); c) a reforma de Elizabeth, que rompeu com Roma (após Maria Tudor, “A Sanguinária”, ter feito um retorno ao catolicismo) e estabeleceu princípios fundamentais: O Livro de Oração Comum (LOC) e os Trinta e Nove Artigos de Fé; d) após idas e vindas entre reforma e retorno ao catolicismo, em 1688, na “Revolução Gloriosa”, liderada por Guilherme de Orange (reformado holandês), implanta-se o parlamentarismo na Inglaterra, pacificando-se muitas questões e com retorno aos princípios protestantes elizabetanos (LOC e 39 Artigos).

Arcebispo Thomas Cranmer
Os dois principais pensadores da Reforma Inglesa foram o Arcebispo de Cantuária e mártir Thomas Cranmer (queimado vivo por ordem de Maria Tudor), compilador do LOC, bem como o teólogo Richard Hooker. Assim surge a Igreja da Inglaterra: independente de Roma, de doutrina reformada, mantendo algumas tradições católicas em seu governo e liturgia, como uma “via-média” entre Roma e Genebra, entre catolicismo e puritanismo. Nota-se que a Igreja da Inglaterra viveu em continuidade com a Igreja dos primeiros séculos, passando por momentos diferenciados. Disso resulta que as diferentes igrejas anglicanas espalhadas pelo mundo não constituem nem cultivam uma identidade denominacional separada, mas uma verdadeira “comunhão”. A Reforma da Igreja está, assim, em linha de continuidade com uma Igreja que remonta ao Séc. I da era cristã, como um pêndulo que se moveu entre catolicismo e protestantismo, definindo-se como “via-média” entre estes dois pólos.

Conforme a Inglaterra expande-se comercialmente, dando-se destaque o Séc. XVII e o Séc. XIX, a Igreja passa a enviar ministros a acompanhar suas expedições e, mais tarde, suas colônias. Na medida que estas igrejas locais vão tornando-se autônoma, temos o surgimento do que se denominou Anglicanismo.

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* Rev. Carlos Alberto Chaves Fernandes, ofa, é Presbítero da Diocese do Recife; Pároco da Paróquia Anglicana da Santíssima Trindade, em Copacabana, Rio de Janeiro; Venerável Arcediago Sul-Sudeste; Frei da Ordem Franciscana Anglicana (OFA).