A
Liturgia Anglicana pode ser divida em quatro partes: (1) os Ritos
Iniciais; (2) a Liturgia da Palavra; (3) a Liturgia Eucarística; e (4)
os Ritos Finais. Há partes fixas, que se repetem a cada celebração, e
partes móveis, que permitem outros modos de expressão diante de Deus.
1) Os Ritos Iniciais:
começam com um cântico (ou Salmo) e a procissão de entrada; o sacerdote
ocupa o seu lugar, saúda o povo, pronuncia as palavras de acolhida;
conduz o povo à confissão de pecados e pronuncia a absolvição e a Coleta
do Dia.
2) A Liturgia da Palavra:
consta das leituras na seguinte ordem: Antigo Testamento, Salmo
(seguido do Glória Patri se este não foi lido ao início da celebração),
Novo Testamento e Evangelho. As leituras são determinadas pelo
calendário litúrgico e são extraídas do Lecionário do LOCb (onde se
segue a leitura chamada trienal: ano A, B e C, uma para cada domingo do
mês). Em seguida, vem o sermão, o credo e as orações do povo.
3) A Liturgia Eucarística:
no LOCb prescreve várias orações eucarísticas alternativas, em geral
inicia com o ofertório (ofertas voluntárias, em espécie, e oferta dos
elementos: Pão e Vinho, trazidos ao altar), Grande Oração Eucarística,
Pai Nosso, Fração do Pão, Comunhão, Oração Pós Comunhão.
4) Os Ritos Finais: constam da despedida, da bênção e do envio ao mundo em missão.
RITOS INICIAIS
a) Acolhida:
é uma saudação informal onde o oficiante dá as boas-vindas aos demais
participantes da celebração. Faz a introdução ao tema, ao assunto do
respectivo domingo dentro do Calendário do Ano Cristão. Introduz o povo
no ambiente da celebração. Saúda os visitantes;
b) Saudação:
trata-se de uma saudação formal e recíproca, onde o oficiante e
comunidade saúdam-se. De acordo com rubricas, existem três formas: uma
utilizada da Páscoa até o Pentecostes; outras durante a Quaresma e em
outras ocasiões penitenciais; e a mais comum, para as outras ocasiões do
ano;
c) Coleta pela Pureza:
uma das únicas partes da longa série de orações acompanhando cerimônias
privadas do celebrante que o Arcebispo Cranmer conservou ao compor o
primeiro LOC (1549). Ela provém do Rito de Sarum. É uma coleta
exclusivamente anglicana (mas que pode ser encontrada nas orações
luteranas para os oficiantes);
d) Gloria in Excelsis: no
século VI era usado, assim como o Te Deum Laudamus, na Oração Matutina
das igrejas da Gália (469-542). Era um hino matinal sírio, fazendo parte
até hoje dos ofícios bizantinos. Nos ofícios romanos foi incorporado
nas missas para domingo e dias santos, salvo os das quadras
penitenciais. Em geral é utilizado após a absolvição entretanto,
conforme a forma utilizada no LOCb pode variar de lugar na liturgia
(após a Coleta por Pureza ou nos Ritos Finais, sendo que no tempo do
Advento e da Quaresma devem ser omitidos, assim como qualquer cântico de
“Glória”);
e) Kyrie:
já presente no clamor de Bartimeu, no Evangelho. Quando os cristãos
passaram a incluir essa exclamação no ofício, estavam a confessar Jesus
como único Senhor e negando a veneração divina a qualquer senhor deste
mundo. “Kyrie Eleison” é, na sua origem, um clamor coletivo da
comunidade pelas dores do mundo e não um clamor individual das pessoas
pelo perdão dos seus pecados. Pode ser cantado como alternativa ao
Glória, mas é usado como resposta ao Resumo da Lei na Ordem Penitencial,
ou em resposta a cada afirmação do Decálogo;
f) Confissão,
é uma confissão geral de pecados, que deve ser dita de joelhos. A
referência foi colocada na revisão de 1675, por influência escocesa,
pois que antes o presbítero permanecia de pé, o que ainda acontece na
Inglaterra.
g) Absolvição,
pode ser pronunciada pelo presbítero, ou pelo bispo, quando presente .
Quem a pronunciar, fará voltado para o povo, porque se fala em o nome de
Deus, cujas misericórdias não podem ser contadas e com Quem está o
perfeito perdão.
h) Coleta do Dia:
uma breve oração usada em conexão com alguma parte do culto.
Originalmente, todas as litanias finalizavam com uma oração resumindo
todas as petições e súplicas (a coleta da litania). Assim, desse papel
da oração em reunir, coligir, proveio o nome de coleta (collectio, collecta).
Coleta foi, pelo século VI, assimilada na coleta da litania que era
usada a guisa de intróito ao ofício de comunhão. É devido a esse
incidente que as nossas coletas de hoje, na sua grande maioria, tem como
tema rogar pela graça e misericórdia divinas e, assim, como conclusão
penitencial.
a) Leituras:
foi provavelmente São Jerônimo (340-420) quem primeiro escolheu e
dispôs as Epístolas e os Evangelhos. A leitura do Antigo Testamento e
Epístolas devem ser feitas do atril pelo(a) leitor(a). O Salmo do Dia
deve de ser lido na forma antifonal e seguido do cântico (ou recitação)
do Glória Patri (no tempo do Advento e da Quaresma devem ser omitidos,
assim como qualquer cântico de “Glória”). O Evangelho é uma seleção de
ensinamentos do ministério de Jesus e destina-se a proclamar algum
evento da vida de Jesus ou alguns dos seus ensinos admiráveis. O
Evangelho deve ser lido no meio da congregação, ou do púlpito (e não do
atril), por um Diácono, quando presente, ou outro oficiante.
b) Sermão:
após a última leitura bíblica e sua respectiva resposta pela
comunidade, a Liturgia da Palavra continua com o Sermão, que deve versar
sobre uma das leituras feitas, ou mesmo fazendo referência a todas.
c) Profissão de Fé:
o Credo é a declaração oficial das verdades das Sagradas Escrituras
sobre a qual se baseia a Igreja. Foi colocado na liturgia para combater
as controvérsias. No Oriente, foi introduzido no ano 417, em Antioquia, e
em Constantinopla no ano de 511. No Ocidente, o 3º Concílio de Toledo
(589) ao inserir o Credo no rito mozárabe contra os arianos. Logo se
difundiu na França; mas só foi incorporado à missa romana em 1014. O
LOCb contém dois Credos: o Apostólico e o Niceno. O Credo dos Apóstolos é
baseado no antigo Credo Romano, que se constituiu a partir do século
II, em relação com a celebração do batismo. Foi provavelmente em Roma
que tal texto se formou. O Credo Niceno, também conhecido como
Niceno-Constantinopolitano, é uma paráfrase, um pouco aumentada, do
Credo estabelecido pelo Concílio de Niceia, embora só fosse
definitivamente elaborado pelo 2º Concílio, em Constantinopla, em 381. É
o único Credo universalmente aceito. O LOCb ainda oferece outras formas
de confissão alternativas
d) Oração dos Fiéis (Intercessões):
as intercessões são feitas pela Igreja, seus membros e sua missão, pela
nação e por todos que exercem autoridade, pela paz e salvação do mundo,
pelas preocupações da comunidade local, pelos que sofrem, pelos que
partiram.
LITURGIA DA EUCARISTIA
a) Ofertório, as sentenças do ofertório, que foram designadas para serem cantadas como antífonas (offertoria),
servem agora somente para anunciar que se vai proceder à coleta nos
serviços divinos e que vai começar o ato de oblação na ordem para a
administração da Ceia do Senhor, podendo cantar-se um hino durante o
mesmo. É parte invariável do culto desde o período apostólico (cf. 1Co
16.2). As salvas recebidas pelo ministro serão solenemente apresentadas e
postas na Santa Mesa, passando depois para a credência, que é a mesa
auxiliar. As ofertas partem do povo e significam seu respeito e louvor
de gratidão a Deus. As oferendas serão apresentadas quando o povo
estiver de pé. Faz-se, ainda, o ofertório ou apresentação dos elementos
eucarísticos.
b) Saudação da Paz,
feita após as intercessões, preparando para a o ofertório, é uma
saudação entre as pessoas participantes do ofício litúrgico. O Novo
Testamento menciona, como saudação, o ósculo santo, costume ainda comum
nos povos orientais que, infelizmente, as igrejas ocidentais perderam
(pode ser utilizada após a oração do Pai Nosso).
c) Oração Eucarística,
a parte central, a parte sacrificial por excelência da Celebração da
Santa Eucaristia. Sua correspondente nos ritos orientais é a “Anáfora”, e
no romano, o “Cânon”. As palavras da Oração Eucarística não são
fórmulas, mas uma oração que a comunidade dirige a Deus, conforme um
padrão básico comum. Esse padrão parece estar preservado numa Oração
Eucarística registrada na Tradição Apostólica de Hipólito de Roma e
anotada por volta do ano 215:
I) Saudação, um diálogo introdutório, cuja origem é o judaica (Seder);
II) Sursum Corda,
convida-se a comunidade a elevar seus corações, o que equivale dizer
pensamentos, a Deus (é um dialogo entre o celebrante e os comungantes
que precede à eucaristia em todas as liturgias históricas);
III) Ação de Graças, o celebrante convida a todos a participar das ações de graças. Com estes três elementos, forma-se a chamada: Introdução (ou Diálogo), Sursum Corda e Convite.
IV) Prefácio, há dois prefácios: um permanente e outro do dia (chamado também de Próprio). Permanente:
ao dar graças pelas grandes obras de Deus no passado (como Criador e
Redentor), a comunidade proclama a sua fé na continuidade de tais atos
no futuro. A confiança na continuidade da fidelidade Deus é que permite à
comunidade entrar na celebração da Eucaristia, com a certeza de que ali
Cristo estará presente e se entregará às pessoas comungantes. Próprio:
muda conforme o dia, e no rito romano é considerado como uma porção
introdutória à Oração. No LOCb, há Prefácios Próprios para o Natal,
Epifania, Purificação, Anunciação, Transfiguração, Páscoa, Ascensão,
Pentecostes, Santíssima Trindade, todos os santos etc. São os grandes
eventos da vida de Jesus ou de significação histórica e doutrinária para
Igreja. Variam conforme o Calendário Cristão, representam a
significação e intenção da eucaristia que se celebra. Os prefácios são
expressões de nosso louvor a Deus pelas fases grandiosas do mistério da
encarnação e da salvação.
V) Sanctus, o
uso frequente do Sanctus no ritual judaico talvez tenha influenciado em
sua inclusão na liturgia. Às vezes dá-se o nome de Triságio ao Sanctus.
VI) Benedictus, a saudação proferida pela multidão a Jesus quando de entrada triunfal em Jerusalém (Mt 21,9). Todas as liturgias anteriores à Constituição Apostólica
(350) inserem o Benedictus após o Sanctus, exceto a liturgia do Egito. O
LOC de 1549 uniu ao texto original do Sanctus o versículo de Lc 18.38,
paráfrase que permaneceu, mesmo depois dos cortes feitos pela revisão de
1552.
VII) Memorial, refere-se
à redenção. O rito romano se distingue pelo aspecto sacrificial, de
modo que oblação é o tema que se nota por quase todo o cânone. O
sacrifício, entretanto, é essencialmente eucarístico, isto é, trata-se
de ação de graças pelos frutos da terra, pão e vinho, rogando que Deus
os abençoe para a comunhão dos fiéis. Com o intuito de evitar que
continuassem a interpretar as expressões do rito primitivo da eucaristia
numa perpetuação do sacrifício do calvário, Cranmer eliminou toda a
ideia de oblação dos elementos, fazendo com que as frases tivessem
referência não aos elementos, mas às aspirações dos ofertantes,
registrando na oração que o sacrifício e a morte de Jesus na cruz são
únicas e definitivas.
VIII) Palavras da Instituição,
em forma de uma narrativa, conforme pronunciadas por Jesus (cf., 1Co
11,24-25). A sua função é recontar o relato da Última Ceia de Jesus com
seus discípulos, ou seja: autoridade para celebrar a Eucaristia não vem
da comunidade, mas de Jesus na ultima ceia. Por isso, reconta-se aqui a
narrativa da instituição. Ao dizer as palavras sobre o pão, ergue-se a
hóstia, fazendo-se o mesmo com o cálice.
IX) Anamnese, in memoriam mei,
não é mera lembrança, recordação, mas realização. A Anamnese chama,
invoca uma pessoa ou um acontecimento do passado e o torna presente,
ativo, efetivo, aqui e agora. “Seguindo o mandamento de Teu Filho, comemoramos, até que Ele venha”.
A Anamnese torna eficiente ao comungante a obra de Jesus ocorrida no
passado. O que aconteceu lá se torna válido, na Anamnese, ao comungante.
Tem duas partes: 1ª, ela lembra aspectos essenciais da
vida e obra de Jesus (a encarnação, a paixão, ressurreição e ascensão
do Senhor; muitas vezes, cita também a mediação de Cristo à direita do
Pai e sua Segunda vinda); 2ª, traz a declaração
explícita de que se está aqui oferecendo o pão e o cálice, exatamente
com esse significado e objetivo de celebrar a obra de Cristo, em
obediência à Sua ordem.
X) Epiclese, termo
grego, designa, normalmente, o pedido ao Pai, para que envie o Espírito
Santo. Há dois tipos de epiclese nas Orações Eucarísticas: epiclese de consagração: invocação do Espírito sobre os elementos eucarístico, separando-os do uso comum ao sagrado; epiclese de comunhão: invocação
do Espírito para que realize aquilo que é o fruto da Eucaristia, a
comunhão em Cristo, sendo, assim, uma invocação do Espírito sobre a
Igreja. Por meio dela se expressa que nem a pessoa oficiante, nem a
comunidade, nem a Igreja são proprietárias da Eucaristia. Nenhuma delas
tem em seu poder realizar o que a Eucaristia deve realizar, mas, somente
Deus, por Seu Espírito.
XI) Intercessão pela Igreja, no
mundo inteiro, pelos bispos, pelos ministros e fiéis, pelos falecidos
que morreram na esperança da ressurreição, na memória dos santos e
mártires, podendo ser uma intercessão geral.
XII) Doxologia, quer
dizer “louvor”, “ação de graças”. A Oração Eucarística termina assim
como começou. Trata-se de uma doxologia trinitária, ou seja, de uma
exaltação da Trindade.
XIII) Amém.
d) Pai Nosso. Podendo seguir-se a saudação da paz, se não foi feita anteriormente.
e) Fração do Pão, ao partir dir-se-á um dos textos previstos no LOCb.
f) Agnus Dei,
cântico primeiramente adotado na liturgia de São Tiago de Jerusalém,
que pode ser dito ou cantado ou mesmo fazer a Oração de Humilde Acesso,
ou ainda, cantar um hino apropriado.
g) Comunhão do Celebrante, que deverá ser feita enquanto se canta o Agnus Dei ou outro hino escolhido.
h) Comunhão dos presentes, que
deve ser feita com os mesmos vindo á frente, ajoelhando-se, e com as
palavras ditas pelo celebrante: “O corpo (sangue) de nosso Senhor Jesus
Cristo te preserve na vida eterna”.
i) Coleta Pós Comunhão, o
LOCb a insere como ação de graças depois da Comunhão. Neste ponto,
retornou-se ao padrão das liturgias orientais, estabelecendo uma forma
fixa.
RITOS FINAIS
a) Glória in Excelsis, se este cântico não foi feito ao início da liturgia, será incluído aqui, ao final do serviço religioso.
b) Bênção,
retirada dos ritos romanos, continuou a ser usada nos ritos galicanos e
naturalmente na Inglaterra, até ao tempo da Reforma, com formas
variadas que se alteravam, conforme a estação eclesiástica, no Sarum.
Era, porém, prerrogativa episcopal somente. No LOCb o ofício termina com
uma bênção pronunciada pelo presbítero, em o nome de Deus. A bênção
realizada pelo celebrante com os braços erguidos e a palma das mãos
voltadas para baixo, sobre a congregação. Este é um gesto de imposição
de mãos sobre os eclesianos.
c) Despedida, Cranmer deixou de lado o ite, missa est,
substituindo pelo “vamos partir em paz” do rito bizantino, que lhe
inspirou a buscar a frase de Paulo em Fl 4.7, com que se inicia a
fórmula que temos em no LOCb, e que é privilégio do Diácono proferir.
* Rev. Carlos Alberto Chaves Fernandes, ofa, é Presbítero da Diocese do Recife; Pároco da Paróquia Anglicana da Santíssima Trindade, em Copacabana, Rio de Janeiro; Venerável Arcediago Sul-Sudeste; Frei da Ordem Franciscana Anglicana (OFA).